Aos 45 minutos do segundo tempo, ou melhor, no Golden Score de uma luta de judô, Ketleyn Quadros, conquistou a vaga para disputar a medalha de ouro na categoria de 63 kg no judô das Olimpíadas de Paris-2024. Só um mês antes da competição, ela garantiu sua participação.
“Conquistar essa vaga nesse ciclo curto foi muito desafiador, foi muito cansativo, foi muito exaustivo. Mas digo que vale cada esforcinho”, afirma.
Em um ano conturbado, devido ao excesso de competições e ao desastre no Rio Grande do Sul, a atleta está de volta às Olimpíadas 16 anos após realizar um feito histórico. Em Pequim-2008, a judoca conquistou bronze e se tornou a primeira medalhista individual da história do Brasil.
Paris será a terceira Olimpíadas de Ketleyn, que esteve em Tóquio-2020 e terminou em sétimo lugar. Mas, para conseguir a vaga deste ano, ela enfrentou um dos maiores desafios fora dos tatames. A judoca é atleta da Sogipa (Sociedade de Ginástica de Porto Alegre), mora em Porto Alegre e estava lá na tragédia.
Em maio, o Rio Grande do Sul entrou em calamidade devido às enchentes. Em poucos dias, a vida de todos os moradores virou de ponta-cabeça. Manter o ritmo de treino e viajar o mundo para competir, enquanto o estado era devastado, não foi fácil.
“A gente conseguiu ajudar até o final de semana as pessoas ali no clube, mas tivemos que viajar mais uma vez, fazendo uma escolha difícil”, lembra.
Viver o sonho olímpico aos 36 anos não é para qualquer um. O cansaço de um ciclo apertado somado à catástrofe parecia deixar tudo pior. Mas Ketleyn encontrou uma saída.
“Fazer o que precisa ser feito nunca é fácil, mas conseguir ressignificar e poder ir para uma competição, mostrar a garra do nosso povo e voltar com um pouquinho de alegria para o Brasil já vale a pena”, avisa.
A judoca conversou com o R7 enquanto a equipe brasileira de judô estava no Brasil e falou dos desafios nas últimas Olimpíadas e da confiança que levou para Paris. Confira a entrevista na íntegra.
R7 — Quais são as expectativas para essas Olimpíadas?
Ketleyn Quadros — A minha expectativa não poderia ser melhor. A gente pensa nos Jogos Olímpicos como se fossem a cada quatro anos, mas, para nós, atletas, que, quando sai da fase de brincadeira, que está se divertindo na modalidade, já sonha com uma possível Olimpíadas. Participar e poder voltar com a medalha olímpica é o melhor cenário possível, por isso a gente se dedica diariamente.
R7 — Como foi conquistar essa convocação no limite do prazo em um ciclo de competições tão curto?
Ketleyn Quadros — Fico muito honrada em representar mais uma vez o nosso país. Fico feliz porque realmente ir para as Olimpíadas é uma construção. Ela é conquistada. E conquistar essa vaga nesse ciclo curto foi muito desafiador, foi muito cansativo, foi muito exaustivo. Mas digo que vale cada esforcinho.
É abrir mão de muitas coisas para essa preparação. O nosso corpo é a ferramenta de trabalho. A gente tem que estar atenta com cada detalhe, com cada cuidado e, ao mesmo tempo, fazer um treino que exige o máximo. Você está constantemente entre a lesão e o extremo.
R7— Como é voltar para o cenário olímpico 16 anos após sua primeira participação nos Jogos?
Ketleyn Quadros — Olimpíadas são um mundo à parte. Realmente parece um mundo paralelo, eu não sei explicar. É uma magia de outro mundo. É por isso que a gente fica tão apaixonada, queremos viver esse sonho quantas vezes puder.
Essa é a parte boa de se exigir e dar o seu melhor. É a concretização de um sonho, a primeira etapa dele. Porque chegam os Jogos Olímpicos e conseguir desempenhar toda a sua potência na maior plenitude possível é confiar que a magia olímpica está sempre do seu lado.
R7 — Vimos as enchentes no Rio Grande do Sul e todo o desastre que atingiu Porto Alegre. Como atleta da Sogipa, como foi esse momento?
Ketleyn Quadros — Vim de um ciclo passado por uma pandemia, situações difíceis e, mesmo assim, tive que seguir. Esse ano, quando parecia que tudo estava caminhando muito bem, a gente passou por essa tragédia bem na época de preparação de Campeonato Mundial. Lidar com tudo isso foi como se estivesse ligada no 320 [volts], foi super exaustivo.
Sair para competir num período assim muito difícil… E a gente acaba fazendo isso o tempo todo. Desde quando a gente sai do convívio dos nossos pais e irmãos, avós, com 15/17 anos, a gente está sempre passando por essas adaptações.
R7 — Você conseguiu competir naquele período?
Ketleyn Quadros — Não foi fácil. Era o nosso papel naquele momento, foi nisso que foquei. Fazer o que precisa ser feito nunca é fácil, mas conseguir ressignificar e poder ir para uma competição, mostrar a garra do nosso povo… Voltar com um pouquinho de alegria para o Brasil, já vale a pena.
R7 — Nas primeiras Olimpíadas que participou, você realizou um feito histórico e agora, 16 anos depois, está de volta. Como sua experiência pode te ajudar em Paris?
Ketleyn Quadros — Acredito muito nos processos que o esporte dá. A cada dia a gente passa por desafios. Quando acaba o dia, eu passo uma régua, o que aprendi de novo, o que eu poderia melhorar. Os desafios são infinitos. Toda vez que você acha que melhorou uma coisa, e já começa a se sentir confortável com aquela nova habilidade, vem alguém que também treinou, assistiu e acha alguma ferramenta que te prejudica.
R7 — Como sua experiência pode ajudar a equipe?
Ketleyn Quadros — É que nem um videogame: você passa, fica craque naquela habilidade. Depois, chega um chefão, outras fases vão sendo construídas. Esse é um dos processos que o judô dá, que o esporte proporciona para todos nós atletas. É extremamente desafiador.
R7 — Em um esporte individual, qual é o sentimento de estar com a equipe brasileira?
Ketleyn Quadros — A gente vê realmente uma equipe dedicada, comprometida. As competições para o Brasil são sempre distantes, a gente pega voos de 30 a 40 horas, pesa no outro dia e já está lutando. Digo que a gente já sai daqui com um shido [punição do judô]. Isso mostra muito a nossa força de vontade.
*R7/Foto: Reprodução/Instagram @ketleynquadros