Ex-presidente do Ibama: não dá para ser líder climático e petro-Estado

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Às vésperas de viajar para os Estados Unidos para a 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) e para a Climate Week NYC (a Semana do Clima de Nova York), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se vê às voltas com contradições na agenda e no discurso ambiental de seu governo.

A urbanista Suely Araújo, ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, disse que sempre existiu uma contradição entre os diferentes ministérios, mas em situação de crise, como a de agora, isso não deveria ocorrer.

“O presidente Lula tem uma narrativa bem construída, com articulação com a ministra Marina, sobre a política ambiental, mas ao mesmo tempo defende a expansão da produção de petróleo em plena crise climática”, disse Suely em entrevista ao Metrópoles. Para ela, a indicação de Marina Silva para o comando do Ministério do Meio Ambiente é uma garantia de que há alguém dentro do governo atuando em prol da agenda ambiental.

“O governo tem avanços, tem o esforço consistente da ministra Marina Silva, mas tem contradições evidentes nessa área. Isso são problemas na política atual ambiental”, disse a coordenadora do Observatório do Clima. “Não dá para ser um líder climático e um megapetro-Estado ao mesmo tempo. Não faz sentido. São papéis que não são compatíveis entre si”, completou.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defende que o Brasil seja “the last oil producer standing” (o último produtor de petróleo do mundo), o que se choca com a posição majoritária internacional de descarbonização.

“Não existe petróleo sustentável, ponto. São contradições nos próprios termos”, afirmou Suely. Ao fazer referência a novos projetos para extração e exportação de petróleo no país, ela frisou que “não dá tempo” de expandir para financiar a transição energética para fontes renováveis. “É um problema de cronograma.”

Ela avalia que o governo Lula inicialmente começou “bastante bem” na área ambiental, após os anos do governo Jair Bolsonaro (PL), que buscou desmontar a política ambiental revogando atos e a legislação infralegal. “Houve a reconstrução da governança, porque o governo Bolsonaro deixou um cenário de terra arrasada”, considerou. Apesar de ter encontrado uma situação desmontada pela gestão anterior, ela enxerga problemas que não são decorrentes dele.

Queimadas

Neste ano, o Brasil chegará à ONU pressionado pelas queimadas que tomaram conta de todo o território nacional. Suely Araújo argumentou que o país vem procurando, já há alguns anos, assumir liderança nos debates relacionados a clima e meio ambiente de uma forma geral. “O Brasil tem histórico de uma participação ativa nesses fóruns internacionais”, disse ela, ponderando que a percepção de quem está no exterior é mais diluída.

“Só que essa crise toda gera desconfiança, sim. E no plano internacional, acaba que o olhar é mais para o governo federal”, explicou.

Suely citou resultados importantes no combate ao desmatamento na Amazônia, com queda nos números, mas lembrou que no Cerrado, onde boa parte das autorizações é feita pelos estados, o desmatamento não está sob controle. Ela avalia que haverá um questionamento internacional, esfriando quaisquer comemorações de resultados.

Há uma seca prolongada no país desde junho do ano passado, com índices pluviométricos em 2023 menores que os esperados, o que impossibilitou uma mudança do quadro. O fenômeno El Niño acabou e a situação prossegue. Ambientalistas consideram que esse é um efeito direto das mudanças climáticas. Mas também há incêndios causados por ação humana, de forma dolosa (com a intenção de provocar incêndio) ou culposa (relacionada a negligência, imprudência ou imperícia).

Nesta semana, o presidente da República editou uma medida provisória (MP) para liberar R$ 514 milhões para o combate às queimadas. Esse montante será utilizado em mobilização de pessoal, viabilização de equipamentos e aeronaves para o trabalho, mas possivelmente não poderá ser empregado de imediato, podendo ficar para combater a próxima fase crítica de seca.

Coordenação entre governo federal e estados

Na visão da especialista, a falha principal não está no Ministério do Meio Ambiente, mas na pouca coordenação, ou na demora em acioná-la, por parte da Presidência da República e de órgãos que têm poder mais transversal, como a Casa Civil.

“Penso que a Casa Civil e outros órgãos da Presidência deveriam estar tentando fazer uma liderança federativa”, explicou ela, citando a responsabilidade legal dos estados. Ibama e ICMBio têm atuação circunscrita às áreas federais prioritárias – terras indígenas, assentamentos do Incra, áreas federais não destinadas e áreas protegidas pelo ICMBio.

“Há uma cobrança muito grande como se esse tema fosse exclusivo do governo federal, sendo que não é o governo federal que dá as autorizações para uso do fogo em práticas agrícolas, são os estados”, argumentou Suely.

Ela cita a existência de um “problema histórico” no Brasil ligado à autorização de uso do fogo, apesar de haver previsão disso há 90 anos. Boa parte do país ignora essa regra, fazendo uso do fogo de forma descuidada, ao que Suely sugere a majoração das penas – tanto para os incêndios deliberados quanto para os provocados sem intenção.

Mudanças na legislação de crimes ambientais precisam ser feitas por projeto de lei, não podendo ser implementadas de forma imediata via medida provisória (MP). A avaliação de Suely é de que esse tema deverá enfrentar resistências no Congresso Nacional, que possui uma bancada forte ligada ao agronegócio.

Foto:José Cruz/*Agência Brasil

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