Em quase metade dos homicídios no AM, vítimas tinham entre 18 e 29 anos

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De janeiro a maio de 2024 o Amazonas registrou 418 homicídios. Desse total, 108 vítimas (25,84%) tinham entre 18 e 24 anos e 77 (18,42%) tinham entre 25 e 29 anos. Essas duas faixas etárias somaram 185 vítimas, 44,26% do total de homicídios no período.

Em todo o ano passado ocorreram 1.055 homicídios no Amazonas. Os mortos eram das faixas etárias de 18 a 24 anos e de 25 a 29 anos. Foram 237 vítimas entre 18 e 24 anos (22,46%) e 192 vítimas entre 25 e 29 anos (18,20%). Combinadas, essas faixas totalizaram 429 vítimas, representando 40,66% do total de homicídios no ano.

Embora a faixa de 35 a 64 anos tenha sido a mais numerosa no total do ano, a concentração de vítimas no início da vida adulta (18 a 29 anos) é preocupante.

No início de 2025 caiu o número de mortes violentas de jovens. Em cinco meses o total de homicídios no estado foi de 218. Desses, 52 vítimas tinham entre 18 e 24 anos (23,85%) e 44 entre 25 e 29 anos (20,18%). Juntas, essas faixas somaram 96 vítimas, representando 44,03% do total de homicídios neste período.

Falhas estruturais

O ex-secretário de Segurança Pública do Estado, coronel da PM Amadeu Soares, avalia que o alto índice de mortes violentas entre jovens de 18 a 29 anos no Amazonas é reflexo direto da ausência de políticas públicas estruturadas e de um sistema educacional falho. “O jovem que não conclui o ensino médio, que não consegue ingressar numa universidade, vira o que chamamos de ‘nem-nem’: nem estuda, nem trabalha. E esse é o perfil ideal para o crime organizado recrutar”, alerta.

Amadeu Soares diz que a solução está em ações coordenadas do poder público que articulem educação, segurança e assistência social. “A reestruturação da segurança pública deve estar acompanhada de um programa educacional robusto, com a participação das escolas, da Secretaria de Trabalho, da assistência social e também com incentivo à iniciativa privada para a criação de escolas técnicas. É preciso subsidiar cursos técnicos para que esse jovem tenha perspectiva, tenha projeto de vida”.

Segundo o coronel, a vulnerabilidade social empurra a juventude para o crime. “Quando o Estado se omite, o tráfico assume. O jovem sem opções vira alvo fácil e acaba, muitas vezes, sendo condenado à morte. É cruel, mas é a realidade”.

Soares defende uma atuação governamental de forma transversal. “Não é uma tarefa só da segurança pública. Precisamos de uma força-tarefa entre secretarias, incluindo esporte e cultura, para acompanhar esses jovens e criar oportunidades. As igrejas, as famílias, todos precisam ajudar nesse processo”.

Hilton Ferreira, especialista segurança pública, admite que o problema é complexo e agravado por fatores geográficos como a proximidade com a tríplice fronteira onde atuam grandes organizações do tráfico internacional de drogas. Ele cita a falta de investimentos fixos e coordenados em segurança pública, tanto por parte do Estado quanto da União.

“A estratégia existe, mas sem orçamento é estratégia furada”, afirma o especialista que cita a ausência de planejamento financeiro contínuo na segurança pública. Segundo ele, enquanto não houver definição clara de responsabilidade entre União, estados e municípios — com investimentos em inteligência e combate ao crime transnacional — o Amazonas continuará registrando altos índices de violência.

Prevenção e família

Ainda segundo Hilton Ferreira, a educação é fundamental, mas seus efeitos são de longo prazo. Para conter a violência de forma imediata, ele defende a necessidade de ações integradas em segurança e assistência social com foco especial na prevenção ao recrutamento de jovens por facções criminosas. “É preciso esmiuçar as estatísticas. Boa parte desses jovens assassinados já tinha histórico de envolvimento com o crime”.

A responsabilidade da família também é enfatizada pelo especialista. “Conhecimento é papel da escola, mas educação é papel da família, da igreja, dos clubes e da comunidade”, afirma.

Redes de apoio

O sociólogo Israel Pinheiro defende a criação de redes públicas de apoio, como os serviços do CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), e políticas que articulem educação, esporte e saúde para afastar os jovens dos conflitos violentos.

“É fundamental construir comunidades que sejam saudáveis para que a criança, ao se tornar adolescente, ao se tornar jovem, tenha oportunidade de emprego, oportunidade de continuidade de sua formação, e oportunidades para viver nessa sociedade de maneira que não entre tanto em conflito”, avalia. “É importante que a gente passe a desenvolver políticas públicas para a juventude, com esporte, saúde, e educação que envolvam atividades para possibilitar que essa juventude não entre nesses conflitos letais.”, acrescenta.

O sociólogo também chama atenção para as desigualdades regionais no país que se refletem nas taxas de homicídio. Segundo ele, o jovem negro, homem e periférico é o perfil mais atingido.

“A maioria dos jovens que morrem é da periferia. A gente tem um recorte social, de raça e de gênero. São jovens, homens, negros da periferia ou que estão em uma condição socioeconômica de dificuldades”.

Israel Pinheiro defende também o resgate da vida comunitária e critica o individualismo como um entrave para soluções coletivas. “A gente viveu anos de intenso individualismo, impulsionado por um espírito neoliberal. É preciso que a gente rompa com essa ideia e retorne a essa noção de comunidade, de você conhecer seus vizinhos, se preocupar com as crianças, com os adolescentes, com a juventude”.

O especialista diz que é necessário pensar em soluções a longo prazo, cobrando compromisso real de gestores públicos. “É importante que as pessoas que assumam cargos públicos, principalmente do Executivo, tenham esse horizonte: é um trabalho de longo prazo. É preciso criar uma política para que se reduza esses números. São mais e mais jovens que vão continuar morrendo ano após ano — e de maneira violenta.”

Cultura da violência

Também sociólogo, Carlos Santiago diz que o Brasil naturalizou a violência tornando-a um fenômeno estrutural. “O Brasil é, culturalmente, um país muito violento. A violência virou até produto de consumo. Essa cultura da violência está em toda a sociedade. As estatísticas oficiais mostram que o país está perdendo uma geração de brasileiros para a violência”.

Carlos Santiago defende políticas públicas de inclusão social e para a juventude como forma de reverter esse cenário. “O Estado precisa investir em políticas de inclusão social e em programa para a juventude, além de promover uma cultura de paz e de fraternidade juntamente com sociedade civil. É a cultura de paz e de justiça social que vai fazer o país romper com essa cultura da violência que vem desde a fundação do Brasil. Enquanto isso não acontecer, os números de violência e de mortes de jovens só vão crescer”.

Fonte: Amazonas Atual/Foto: Reprodução

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