A herdeira de um império de mídia que foi raptada, virou guerrilheira e assaltou banco

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Herdeira de um império da mídia americana, Patricia Hearst era uma estudante de História da Arte quando, aos 20 anos de idade, foi levada de seu apartamento em Berkeley, na Califórnia, por um grupo extremista de esquerda chamado Exército Simbiótico de Libertação (SLA, na sigla em inglês). Naquela segunda-feira, dia 4 de fevereiro de 1974, a herdeira da Herst Corporations foi enfiada em uma picape Chevrolet roubada e levada até seu cativeiro, no closet de um apartamento perto de São Francisco.

A partir de então, o pequeno grupo terrorista, que se dizia em luta contra o capitalismo “opressor” nos Estados Unidos, enviaria à emissora de rádio KPFA uma série de gravações de Patricia comunicando as exigências da organização. Entre outras coisas, a SLA queria a libertação de dois de seus membros que estavam presos por assassinato e a doação de milhões de dólares na forma de refeições a serem distribuídas para pessoas em situação de fragilidade alimentar na área da Baía de São Francisco.

Nas semanas seguintes, o empresário Randolph Apperson Hearst, pai de Patricia, promoveria uma campanha de doação de refeições chamada “People in Need” (pessoas em necessidade). Foram cinco eventos de distribuição de comida nas semanas depois do rapto. Dezenas de milhares de pessoas receberam refeições. Enquanto isso, o SLA continuava enviando gravações para a KPFA com Patricia transmitindo reivindicações. Mas, a certa altura, ela começou a criticar sua própria família.

Então, algo muito estranho ocorreu. No dia 3 de abril de 1974, em uma quinta gravação, Patty Hearst declarou que tinha se aliado ao SLA na causa socialista, tomando para si um nome de guerrilha, Tania, inspirada numa companheira de Ernesto Che Guevara. Foi um choque para a família cujo patriarca, William Randolph Hearst, avô de Patricia, morto em 1951, deixara um conglomerado de jornais, emissoras de rádio e revistas (o magnata inspirou o filme “Cidadão Kane”, de Orson Welles).

Os parentes da estudante diziam que a filha estava sob ameaça ou que tinha sofrido lavagem cerebral. Mas, no dia 15 de abril de 1974, o caso teve uma reviravolta assustadora. As câmeras de segurança de uma agência do Banco Hibernia registraram imagens de Patricia em meio a um assalto com outros membros da SLA. A foto da hereira do grupo Hearst segurando um rifle M1 Carbine, usado na Segunda Guerra e na Guerra do Vietnã, circulou pelo mundo nas primeiras páginas dos jornais.

Depois do assalto, o FBI divulgou cartazes de “procurados” com fotos de Donald DeFreeze, Patricia Michelle Soltysik, Nancy Ling Perry, Camilla Hall, todos do SLA, além de Patricia. A herdeira do grupo de mídia não foi acusada de roubo porque ainda pairava a dúvida sobre se ela estava sob ameaça quando foi ao banco. Mas, no dia 24 de abril, em uma sexta gravação, Patty garantiu que estava na agência por sua vontade, definiu como “ridícula” a hipótese de lavagem cerebral e chamou sua família de porcos.

No dia 16 de maio daquele ano, a jovem estudante deu mais uma evidência de sua transformação. Ela estava em um Volkswagen do lado de fora de uma loja de artigos esportivos em Inglewood, Califórnia, enquanto dois membros do SLA, o casal William e Emily Harris, faziam compras. William tentou furtar um produto e foi confrontado pelo gerente. Teve início uma briga, e, temendo que o entrevero atraísse a polícia, Patricia descarregou seu rifle na vitrine do estabelecimento e fugiu com os colegas.

No dia seguinte, a Polícia de Los Angeles localizou vários membros do SLA em uma casa na parte Sul da cidade. Durante uma operação para prender o grupo, os guerrilheiros reagiram usando um arsenal pesado. Em um tiroteio transmitido ao vivo por emissoras de TV, os seis membros do movimento que estavam na residência morreram depois que a polícia incendiou o imóvel com botijões de gás. Entre os mortos, estava Willie Wolfe, guerrilheiro com quem Patricia teria vivido uma relação amorosa.

A herdeira da Corporação Hearst assistiu àquela sequência de violência pela TV de um motel onde se escondia com o casal Harris. Depois do ocorrido, ela conseguiu fugir para Nova York de carro e, em seguida, foi se esconder em uma propriedade rural na Pensilvânia. Ao que tudo indica, Patty pretendia seguir na vida de guerrilheira, lutando contra o sistema capitalista “opressor”. Mas ela foi localizada pelo FBI e presa em setembro de 1975, quando estava de volta a São Francisco.

Acusada formalmente de participar de forma ativa do assalto ao banco Hibernia, Hearst se tornou a protagonista do “julgamento do século”, como definiu a imprensa nos Estados Unidos. A defesa dela alegou que a estudante fora coagida e que sofria da “síndrome de Estocolmo”, condição psicológica na qual vítimas de sequestro se afeiçoam com os autores do rapto e até os defendem. Mas, em meados dos anos 1970, essa síndrome ainda era pouco conhecida, e a tese não foi acolhida.

Em março de 1976, a estudante foi condenada a sete anos de prisão. Mas ela ficou apenas dois anos na cadeia porque, em 1979, o então presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, limitou a pena aos 22 meses que Patricia já tinha cumprido, soltando a americana oito meses antes de ela estar apta para solicitar a liberdade condicional. A ex-guerrilheira receberia o perdão total em 20 de janeiro de 2001, o último dia do então presidente Bill Clinton no comando da Casa Branca.

Em seu livro de memórias, “Every Secret Thing” (“tudo o que é segredo”), publicado em 1981, a herdeira do império Hearst contou que, depois de ter sido raptada, foi mantida em um closet por quase dois meses e sofreu abusos sexuais e psicológicos. Ela diz que se sentiu compelida a aderir ao SLA como mecanismo de defesa. Segundo o livro, sua relação com o guerrilheiro Willie Wolfe, morto no confronto com a polícia em Los Angeles, não foi consensual, mas, sim, um caso de violência sexual.

Dois meses depois de sair da prisão, em 1979, Patricia se casou com o policial Bernard Lee Shaw, que fazia parte de sua equipe de segurança quando ela respondia ao processo em liberdade. Eles tiveram dois filhos e ficaram juntos até a morte de Shaw, em 2013, aos 68 anos de idade. No último dia 20 de fevereiro, a ex-guerrilheira completou 70 anos de idade. Hoje, ela se dedica a cuidar de seus buldogues franceses Tuggy e Rubi, que participam de competições de cães de raça e já foram premiados.

Fonte: O Globo/Foto: Reprodução

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