Em 3% dos municípios brasileiros, os prefeitos eleitos no pleito de 2024 tiveram menos votos do que o número de ausências e votos nulos ou brancos. Esse fenômeno de abstenção superou o desempenho do vencedor do pleito em 170 cidades – em 19 delas, a decisão foi levada para o segundo turno e o prefeito eleito, pela segunda vez na mesma disputa, não conseguiu convencer mais eleitores do que a massa que se manteve alheia à escolha democrática.
O dado, compilado de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pela Agência Pública, representa um desafio de representatividade para os novos líderes municipais que assumem o posto no próximo ano. O levantamento levou em conta os municípios com resultado homologado pelo TSE, cujo resultado não está mais em disputa judicial.
A realidade dos “não candidatos ABN (abstenções, brancos e nulos)” foi mais comum no Sudeste. Um “não candidato” teria ficado à frente dos vencedores das eleições em um total de 73 cidades de São Paulo e 35 de Minas Gerais – incluindo as capitais São Paulo e Belo Horizonte. Na capital paulista, ausências, votos nulos e brancos somaram 3,6 milhões de votos, enquanto o prefeito reeleito Ricardo Nunes obteve 212 mil a menos. Na mineira, Fuad Noman, com seus 670 mil eleitores, ficou atrás do montante de 744 mil eleitores que optaram por não participar da escolha do cargo.
O índice de abstenção em 2024 foi o segundo mais alto já registrado, atrás das eleições de 2020, marcada pela pandemia da covid-19. Este ano, ao menos um em cada três eleitores decidiu não escolher nenhum candidato na disputa deste ano em um total de 280 municípios.
Especialistas ouvidos pela Pública acreditam que a tendência é que a abstenção permaneça alta nos próximos pleitos, caso não haja um diálogo maior entre lideranças políticas e o público. Eles identificaram que, apesar do alto índice ABN, os votos brancos e nulos proporcionais diminuíram, o que se dá porque parte dos eleitores tem desistido de participar do processo e de ir às urnas.
“Os partidos, o universo político, os profissionais precisam começar a entender qual é o interesse do eleitorado na política, para aí sim estimular uma participação; não o reverso, de a população passar a se interessar pelo que a ‘política profissional’ chama oficialmente de política”, avalia o doutorando em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB) Aryell Calmon.
Para o cientista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa André César, parte do fenômeno ainda está ligada à profunda polarização política que se instaurou no país. “Tem o eleitor médio [que] não vai para o Lula, nem para um lado, nem para o outro. Então, o que esse cara vai querer? ‘Se ganhar de A ou B, para mim, na minha visão, dá no mesmo. Então não vou [votar]’”, sintetiza.
Segundo os especialistas, será necessário que o TSE conduza estudos sobre o fenômeno e desenvolva campanhas para estimular a participação dos eleitores. O voto segue obrigatório no Brasil desde a redemocratização em 1989, mas a ausência do processo eleitoral pode ser justificada e o voto, anulado de propósito, sem ônus ao cidadão dentro do período previsto para as votações.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi um dos brasileiros que não votaram no segundo turno das eleições. Ele se recuperava de um acidente em que sofreu uma queda e não pode se deslocar até São Paulo, onde o candidato que apoiava, Guilherme Boulos (PSOL), acabou derrotado. Maior de 70 anos, por lei, o voto de Lula seria facultativo. O acesso, aliás, segundo os especialistas, seria o outro lado da balança no que diz respeito à participação popular.
“A gente precisa entender qual é a razão [da abstenção ] ali em cada localidade. Pode ser desde uma chuva que dificultou o acesso, ou um cenário mais geral de seca, […] até um grande ponto de um debate político esvaziado – [isso porque] os partidos querem emplacar [um] vitorioso. Não querem apostar em quem amplifica o debate político necessariamente”, complementa Calmon.
ABN para todo “gosto”
Em Rio Vermelho (MG), apenas um de cada três eleitores compareceu às urnas no dia 6 de outubro. O município de 12.641 mil habitantes teve a menor participação percentual de cidadãos em todo o país. Na ocasião, Markão (PSD) foi eleito, com 4.455 mil votos, contra 4.442 ausências, votos nulos e brancos.
Os eleitores de Coxilhas (RS), por sua vez, anularam quase metade dos votos no pleito de 2024 – 46,68% de ausências, votos brancos ou nulos. João Manica (PP) assumirá o posto em janeiro, após conquistar 1.374 votos.
Outro município gaúcho que se destacou pela omissão da escolha do prefeito foi Barracão (RS), onde quase dois em cada cinco eleitores votaram em branco, o maior índice do país. Na ocasião, Luiz Carlos da Silva foi o candidato escolhido para assumir o cargo.
Locais onde abstenção, votos brancos e nulos superaram votação do eleito (1º ou 2º turno)
ALEGRETE – RS
ALTAMIRA – PA
ALVORADA – RS
AMÉRICO BRASILIENSE – SP
AMPARO – SP
ANÁPOLIS – GO
ANDIRÁ – PR
ANDRADAS – MG
ANGRA DOS REIS – RJ
APARECIDA DE GOIÂNIA – GO
ARAÇATUBA – SP
ARARAQUARA – SP
ARARAS – SP
ARAUCÁRIA – PR
ARIQUEMES – RO
ASSIS – SP
AVARÉ – SP
BALNEÁRIO CAMBORIÚ – SC
BARÃO DE COTEGIPE – RS
BARIRI – SP
BARRA DO PIRAÍ – RJ
BARRA VELHA – SC
BARRACÃO – RS
BARRETOS – SP
BARUERI – SP
BAURU – SP
BELO HORIZONTE – MG
BENJAMIN CONSTANT DO SUL – RS
BIRIGUI – SP
BOM DESPACHO – MG
BOTELHOS – MG
BUENÓPOLIS – MG
BURITIS – RO
CAÇAPAVA – SP
CACHOEIRA DO SUL – RS
CACHOEIRA PAULISTA – SP
CAMBUÍ – MG
CAMPO LARGO – PR
CAMPO NOVO DE RONDÔNIA – RO
CAMPOS ALTOS – MG
CANANÉIA – SP
CANAVIEIRAS – BA
CANOAS – RS
CARAGUATATUBA – SP
CARATINGA – MG
CARMO DO CAJURU – MG
CASA BRANCA – SP
CÁSSIA – MG
CAXAMBU – MG
CAXIAS DO SUL – RS
CERQUILHO – SP
CHAVANTES – SP
COLORADO DO OESTE – RO
CONCEIÇÃO DA BARRA – ES
CONCHAS – SP
CONSELHEIRO LAFAIETE – MG
DIADEMA – SP
DIAMANTINA – MG
DIVINOLÂNDIA DE MINAS – MG
EMBU – GUAÇU – SP
ESPÍRITO SANTO DO PINHAL – SP
ESTEIO – RS
FERNANDO PRESTES – SP
FORMIGA – MG
FRANCA – SP
FRANCO DA ROCHA – SP
GARÇA – SP
GOIÂNIA – GO
GRAVATAÍ – RS
GUAIÇARA – SP
GUANHÃES – MG
GUARAPARI – ES
GUAREÍ – SP
GUARUJÁ – SP
IBITINGA – SP
ILHA SOLTEIRA – SP
INDAIAL – SC
IPATINGA – MG
ITAIPÉ – MG
ITANHAÉM – SP
ITAPEVA – SP
ITU – SP
JARDINÓPOLIS – SP
LAGOA BONITA DO SUL – RS
LARANJAL PAULISTA – SP
LONDRINA – PR
MANDAGUARI – PR
MARTINHO CAMPOS – MG
MARTINÓPOLIS – SP
MATINHOS – PR
MAUÁ – SP
MIRANDÓPOLIS – SP
MOCOCA – SP
MOGI DAS CRUZES – SP
MOGI MIRIM – SP
MOZARLÂNDIA – GO
NOVO CRUZEIRO – MG
NOVO ORIENTE DE MINAS – MG
PALMARES DO SUL – RS
PANCAS – ES
PEDRALVA – MG
PENHA – SC
PEREIRA BARRETO – SP
PERUÍBE – SP
PILAR DO SUL – SP
PINDAMONHANGABA – SP
PIRACANJUBA – GO
PIRACICABA – SP
PIRAJU – SP
PIRASSUNUNGA – SP
POÁ – SP
POÇOS DE CALDAS – MG
POMPÉU – MG
PORTO ALEGRE – RS
PORTO FERREIRA – SP
PRESIDENTE PRUDENTE – SP
PROMISSÃO – SP
RIBEIRÃO BONITO – SP
RIBEIRÃO PRETO – SP
RIO BONITO – RJ
RIO DE JANEIRO – RJ
RIO GRANDE – RS
RIO PARDO – RS
ROSÁRIO DO SUL – RS
SANTA CRUZ DAS PALMEIRAS – SP
SANTA LUZIA – MG
SANTA RITA DO PASSA QUATRO – SP
SANTA RITA DO SAPUCAÍ – MG
SANTA VITÓRIA DO PALMAR – RS
SANTO ANASTÁCIO – SP
SANTO ANTÔNIO DO ITAMBÉ – MG
SANTOS – SP
SANTOS DUMONT – MG
SÃO BERNARDO DO CAMPO – SP
SÃO CARLOS – SP
SÃO JOÃO DA BOA VISTA – SP
SÃO JOÃO DE MERITI – RJ
SÃO JOSÉ – SC
SÃO JOSÉ DO RIO PRETO – SP
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP
SÃO LEOPOLDO – RS
SÃO LOURENÇO DO SUL – RS
SÃO MANUEL – SP
SÃO PAULO – SP
SARANDI – PR
SETE LAGOAS – MG
SUMARÉ – SP
TAQUARITINGA – SP
TATUÍ – SP
TERESÓPOLIS – RJ
TERRA RICA – PR
TIJUCAS – SC
TIMÓTEO – MG
TORRES – RS
TRAMANDAÍ – RS
TRÊS CORAÇÕES – MG
UBATUBA – SP
UMUARAMA – PR
UNAÍ – MG
UNIÃO DA VITÓRIA – PR
URUGUAIANA – RS
URUSSANGA – SC
VALENÇA – BA
VALENÇA – RJ
VIAMÃO – RS
VIÇOSA – MG
VINHEDO – SP
VIRGEM DA LAPA – MG
VIRGINÓPOLIS – MG
VOTORANTIM – SP
Fonte: Amazonas Atual/Foto: Antonio Augusto/TSE