Os alertas de desmatamento bateram recorde no Cerrado, o segundo maior bioma do país, e chegaram ao menor índice em quatro anos na Amazônia, segundo dados do Inpe divulgados nesta quinta-feira (3).
Com 6.359 km² de área derrubada entre agosto de 2022 e 31 de julho deste ano (quase o tamanho de Macapá, capital do Amapá), o Cerrado teve o pior resultado na sua série histórica do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), que começou a ser medida entre 2017 e 2018.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) usa esse intervalo, do meio de um ano ao meio do ano seguinte, como ano-referência para calcular o desmatamento anual.
Na Amazônia, o acumulado de alertas no mesmo período foi de 7.952 km² (extensão equivalente à área de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul). Esse é o menor valor em quatro anos.
Quando comparado com a temporada de 2021/2022, o atual período registrou queda de mais de 7% no acumulado de alertas, redução que equivale a uma área de 638 km².
O recorde na série histórica da Amazônia havia sido entre agosto de 2019 e julho de 2020, quando 9.216 km² de alertas foram computados.
Os dados do Inpe foram divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.
Dados preocupantes do Cerrado
Para Mariana Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil, os números do Cerrado preocupam porque revelam valores que persistem, com níveis semelhantes ou até maiores do que os observados no ano passado.
Segundo ela, isso exigirá, principalmente na região norte do Cerrado, uma intensificação significativa das ações de comando e controle.
A gerente do WWF-Brasil também destaca a necessidade de uma participação mais ativa dos governos estaduais, que, frequentemente, são responsáveis pelas autorizações de remoção da vegetação, assim como o engajamento do setor privado.
A principal fonte e impulsionadora desse desmatamento no Cerrado é a produção de commodities, como soja e algodão. Sem um maior comprometimento do setor privado, será extremamente desafiador reverter essas tendências nesse bioma tão importante e ameaçado.
Amazônia: queda de 66% em julho
Na divulgação dos dados, o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, enfatizou a queda de 66% no desmatamento registrada em julho na Amazônia.
Como, tradicionalmente, julho é o mês com o maior índice de desmatamento na região, o cenário inédito de queda surpreendeu a pasta: com 500 km² desmatados, a Amazônia teve o menor número de alertas num mês de julho em 5 anos.
Ao longo do último semestre, em que havia expectativa de aumento, houve redução de 42,5% no desmatamento. Essa queda expressiva, segundo Capobianco, é um sinal positivo de que as medidas implementadas começam a surtir efeito na reversão da curva do desmatamento.
“Recebemos [os índices de desmatamento] em aceleração e, após 7 meses de trabalho, estamos revertendo isso”, disse o secretário.
Os dados em relação à Amazônia também foram comemorados pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
“Temos um ciclo virtuoso de não mais certeza da impunidade. E aí, cada um que comete o crime pensa antes de cometer.” — Marina Silva, ministra do Meio Ambiente
Por que o desmatamento cai na Amazônia e aumenta no Cerrado?
Como mostrou o g1, no primeiro semestre de 2023, foi observada uma queda significativa no desmatamento na Amazônia, com o total de áreas sob alerta de desmate reduzindo em 33,6%.
Isso foi atribuído à retomada da aplicação de multas e da proibição do uso de terras desmatadas, além da intensificação das ações de fiscalização e destruição de equipamentos usados em crimes ambientais.
A medidas, implementadas sob o governo Lula, foram vistas como um sinal positivo para a reversão da tendência de aumento de desmatamento observada anteriormente na região.
Em contrapartida, no mesmo período, o Cerrado registrou um aumento de 21% nos alertas de desmatamento. Esse crescimento se deve a diversos fatores, como a dificuldade de monitorar autorizações para desmatamento, já que grande parte do desmate foi autorizada por órgãos ambientais regionais.

Vista aérea de um garimpo ilegal no território Yanomami durante uma operação do Ibama contra o desmatamento da Amazônia no começo de 2023. — Foto: ALAN CHAVES/AFP
Além disso, o desmatamento no Cerrado está concentrado em áreas cadastradas, e apenas 8% do bioma são legalmente protegidos por unidades de conservação. Outro desafio é a falta de um Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento específico para o Cerrado, em contraste com a Amazônia que possui um plano desde 2004.
Especialistas também destacam que a queda no desmatamento na Amazônia não pode levar a uma falsa sensação de vitória, pois ainda há muito a ser feito.
Isso porque o combate ao desmatamento envolve tanto a implementação de políticas efetivas quanto a garantia de segurança fundiária para comunidades tradicionais. No caso do Cerrado, é importante reconhecer a relevância desse bioma para o contexto nacional, considerando que ele é conhecido como o “berço das águas” do país, alimentando reservas hídricas que vertem para a bacia amazônica.
Além disso, a falta de transparência nos dados e a emissão de autorizações irregulares para supressão da vegetação também são questões que precisam ser abordadas para conter o aumento do desmatamento na região.
Deter x Prodes
O Deter não é o dado oficial de desmatamento, mas alerta onde o problema está acontecendo.
O Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) é considerado o sistema mais preciso para medir as taxas anuais.
E, de acordo com o último relatório do Prodes, divulgado em novembro, a área desmatada na Amazônia foi de 11.568 km² entre agosto de 2021 e julho de 2022 (o equivalente ao tamanho do Catar).
O índice representa uma queda de 11% do total da área desmatada entre a última temperada (agosto de 2020 – julho de 2021). Na edição anterior, o número foi de 13.038 km².
Apesar dessa queda pontual, o desmatamento na Amazônia cresceu 59,5% durante os quatro anos de governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), a maior alta percentual num mandato presidencial desde o início das medições por satélite, em 1988.
Na temporada 2020-2021 – período que engloba agosto de 2020 a julho de 2021 –, foram 13 mil km² de área sob alerta de desmatamento, maior número desde 2006.
Para o Observatório do Clima, a redução na estimativa oficial de desmatamento de 2023, a ser divulgada em novembro, ainda é incerta devido às diferenças entre o Prodes e o Deter. O Prodes é o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite e é considerado o sistema mais preciso para medir as taxas anuais.
Segundo Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, a mudança de cenário no governo federal impactou diretamente o desmatamento.
“Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) é considerado o sistema mais preciso para medir as taxas anuais”, diz ele.
No Cerrado, porém, o OC destaca que “a ação do governo foi incapaz de conter o surto de desmatamento”.
Segundo a rede de entidades da socieade civil, isso foi principalmente impulsionado grande quantidade de autorizações de desmatamento emitidas pelos governos estaduais, especialmente o da Bahia, que é o estado líder em devastação no Cerrado.
“Era de esperar o aumento do desmatamento do Cerrado neste ano, reforçado pela baixa proteção que a legislação florestal brasileira lhe confere e pelo grande número de autorizações de desmate que vêm sendo emitidas pelos estados”, diz Guilherme Eidt, coordenador de advocacy do ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza).
*g1 / Foto: Valdinei Malaguti/EPTV