Censo 2022: crise econômica, força do agronegócio e custo de vida explicam a migração populacional no Brasil, segundo especialistas

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Os números do Censo Demográfico 2022 surpreenderam: o Brasil tem cerca de 203 milhões de habitantes, um número bem menor do que as projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontavam. O país também registrou a sua menor taxa de crescimento populacional da história, com um aumento de 0,52% por ano, em média, desde 2010.

O detalhe que mais chama a atenção de economistas ouvidos pelo g1, no entanto, é que essa taxa de crescimento caiu muito mais em algumas regiões do que outras. Enquanto a taxa anual do Nordeste recuou de 1,07% em 2010 para 0,24% em 2022, por exemplo, o Centro-Oeste teve uma queda menos expressiva, passando de 1,90% para 1,23%.

A mesma dinâmica aconteceu com estados dentro de uma mesma região. Foi o caso do Rio Grande do Sul, que cresceu apenas 1,74% em 12 anos, enquanto a população de Santa Catarina disparou 21,78%.

O próprio IBGE ainda deve processar mais dados coletados pelo Censo para explicar com propriedade o que justifica a dinâmica da população nos últimos 12 anos. Mas, segundo os especialistas, a principal razão de migração interna é a busca de melhores condições econômicas. Mas deve-se dar destaque para dois pontos específicos:

  1. os estados com os menores crescimentos ou até quedas na população são, também, os que mais têm passado por dificuldades financeiras; e
  2. os estados e regiões com crescimentos mais expressivos têm uma forte ligação com o agronegócio.

Fuga de crises financeiras

De acordo com Alexandre Pires, professor de economia do Ibmec, os estados com os percentuais mais baixos de crescimento populacional são justamente aqueles que, na última década, vêm passando por problemas econômicos.

“Há uma relação muito direta entre os locais com os maiores desafios econômicos e a estagnação populacional, o que mostra que as crises econômicas estão levando a uma realocação das pessoas em território nacional, na busca por melhores condições de trabalho e de vida”, comenta Pires.

Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, compartilha do mesmo ponto de vista e destaca os exemplos do Sul e Sudeste. Embora essas tenham sido as regiões que puxaram, em números absolutos, o crescimento populacional do Brasil, as altas foram bem mais expressivas em alguns estados do que outros.

No Sudeste, Carla destaca o exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro: “embora São Paulo já seja um estado extremamente populoso, continuou ganhando habitantes, enquanto o Rio de Janeiro teve uma estagnação.”

Em São Paulo, a população cresceu 7,65%, em mais de 3 milhões de pessoas, enquanto no Rio o aumento foi de 0,40%, com menos de 65 mil novos habitantes.

A economista explica que isso pode estar relacionado a uma manutenção da economia de São Paulo como a principal do país, enquanto o Rio de Janeiro passou por sérios problemas financeiros nos últimos anos, mostrando uma insustentabilidade das contas públicas.

Essa é a mesma situação, segundo Carla, de Santa Catarina (21,78%), que tem mostrado uma “economia pujante”, e Rio Grande do Sul (1,78%), que passou por problemas semelhantes aos do Rio. A mesma tendência ocorreu em todo o Nordeste.

Neste contexto, a economista pontua que as pessoas passam a buscar novos locais para viverem, com custos de vida mais baixos e melhores oportunidades de receber bons salários.

A força do agronegócio

Ao mesmo tempo em que há uma estagnação em alguns estados e regiões, outros registram um crescimento mais expressivo e o grande destaque é o Centro-Oeste, sob forte influência do agronegócio.

As populações de Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul cresceram 20,55%, 14,55% e 12,56%, respectivamente, todas entre as 10 maiores altas do país.

Pires, do Ibmec, destaca que o agronegócio é uma grande força econômica brasileira e relembra que, no primeiro trimestre deste ano, o setor disparou 21,6%, puxando todo o resultado do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB) do período.

“Ainda falta olhar para os próximos dados do Censo que serão divulgados, mas já dá para dizer sim que, nos últimos anos, houve uma forte migração para o Centro-Oeste em busca dessas oportunidades com o agronegócio”, afirma.

O professor ainda pontua que “o agro se tornou muito dinâmico” e, além do próprio Centro-Oeste, estados de outras regiões conseguiram se beneficiar dessa influência. “Quando falamos de agro, esquecemos que ele também envolve toda uma cadeia industrial, de processamento, e as exportações”.

Nesse sentido, Pires considera que São Paulo consegue se manter bastante relevante em toda a cadeia econômica — e, consequentemente, atraindo habitantes — porque o estado é “um grande corredor para o agronegócio” e é um espaço com grande conectividade internacional. Santa Catarina vive situação semelhante.

Baixo crescimento populacional e impactos para a previdência no futuro

O IBGE ainda não divulgou os dados do Censo referentes à pirâmide etária da população brasileira, mas Carla, da CM, afirma que já é possível perceber no país uma desaceleração da taxa de natalidade.

De acordo com a economista, isso pode estar ligado, também, aos períodos de crise econômica que o Brasil atravessou, que levam muitas pessoas a optarem por ter menos filhos e adaptarem seus estilos de vidas, mas o principal motivo é a mudança geracional, que trouxe novas perspectivas de arranjos familiares, levando a essa redução da natalidade em todo o mundo.

O maior problema disso, explica, está relacionado à manutenção da previdência social. No modelo atual, as pessoas em idade produtiva trabalham e pagam por quem já se aposentou. Mas, com a queda da natalidade, logo pode haver uma incompatibilidade entre o número de trabalhadores e o número de aposentados.

“Os dados escancaram que o movimento populacional está mudando e acendem um alerta para a sustentabilidade do atual esquema de previdência que temos, já abrem precedentes para uma nova reforma”, comenta.

*g1 / Foto: Luiz Franco/g1

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