Desmatamento no Cerrado desde 2023 gerou mais poluição que automóveis de passeio e ônibus

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O desmatamento no Cerrado resultou na emissão de ao menos 135 milhões de toneladas de CO2 (gás carbônico) entre janeiro de 2023 e julho de 2024, segundo dados divulgados nesta quarta-feira (18) pelo SAD Cerrado (Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado), desenvolvido pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

Esse volume de CO2 foi maior do que o emitido por automóveis de passeio e ônibus. Segundo cálculos feitos pelo R7 com informações do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, do Observatório do Clima, a emissão anual média de gás carbônico por esses veículos é de 80,8 milhões de toneladas. Em um ano e meio, a média é de 121,2 milhões de toneladas de CO2.

Além disso, segundo o IPAM, o volume de emissões no Cerrado de janeiro do ano passado até julho deste ano representa aproximadamente 1,5 vezes as emissões anuais do setor industrial no Brasil. O instituto diz que o Cerrado se consolidou como uma das áreas de maior vulnerabilidade ambiental no país, com o desmatamento concentrado em regiões-chave para a biodiversidade e o equilíbrio climático.

Entre as diferentes formações vegetais do bioma, as savanas do Cerrado foram as mais afetadas, concentrando 65% do total de emissões. Isso significa que, sozinhas, essas áreas emitiram 88 milhões de toneladas de CO2 no período analisado. A formação savânica, que caracteriza grande parte do Cerrado com suas árvores retorcidas e arbustos dispersos, ocupa 62% da vegetação remanescente e tem sido severamente impactada pelo desmatamento, em grande parte para dar lugar a atividades agropecuárias.

Veja mais: Focos de incêndio no Cerrado em setembro de 2024 mais que triplicam em comparação a 2023

Além das savanas, outras formações vegetais também foram significativamente afetadas pelo desmatamento. As formações campestres, que ocupam apenas 6% da área total do bioma, concentraram 7% das emissões de CO2, impulsionadas principalmente pelo desmatamento registrado no Maranhão. As formações florestais, que são a segunda formação mais rara no Cerrado, foram responsáveis por 27% das emissões no período.

O Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil e a savana mais rica e biodiversa do planeta. O bioma desempenha um papel crucial para a manutenção da segurança hídrica, alimentar e climática no Brasil. Ele é responsável pela formação de importantes bacias hidrográficas, abriga grandes aquíferos e sustenta uma vasta gama de flora e fauna. Apesar dessa importância, sua preservação enfrenta desafios enormes, exacerbados por uma política ambiental que, historicamente, tem priorizado a proteção de formações florestais, como a Amazônia, em detrimento de outros ecossistemas igualmente essenciais.

Estados com mais emissão

Os estados da região do Matopiba (uma área de fronteira agrícola que engloba partes do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) são os que mais contribuíram para as emissões decorrentes do desmatamento no Cerrado, com 108 milhões de toneladas de CO2 (80% do total).

O Maranhão, que lidera o ranking de desmatamento no bioma entre janeiro de 2023 e julho de 2024, foi responsável por 35 milhões de toneladas de CO2 emitidas, resultado do desmatamento de mais de 301 mil hectares de vegetação nativa. Além de ser o estado com maior emissão de CO2 no Cerrado, o Maranhão é líder nas emissões associadas às formações campestres, que responderam por 6 milhões de toneladas de CO2 emitidas no período.

Em segundo lugar, está Tocantins, onde o desmatamento de 273 mil hectares resultou na emissão de 39 milhões de toneladas de CO2. Tocantins liderou as emissões decorrentes do desmatamento tanto em áreas de formações savânicas quanto florestais, que juntas foram responsáveis por 38 milhões de toneladas de CO2, representando 98% do total de emissões no estado.

O desmatamento no Cerrado da Bahia, terceiro estado com maior perda de vegetação nativa, resultou na emissão de 24 milhões de toneladas de CO2. Por fim, o Piauí completa a lista dos quatro estados do Matopiba com mais desmatamento e emissões, totalizando 11 milhões de toneladas de CO2 emitidas.

Os dados coletados cobrem o período de janeiro de 2023 a julho de 2024 e consideram apenas alertas de desmatamento em áreas superiores a 10 hectares. As informações sobre desmatamento foram cruzadas com estimativas de estoque de carbono por hectare em cada tipo de vegetação nativa do bioma — como formações florestais, savânicas e campestres — e refinadas com base em dados do Quarto Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Importância da preservação do Cerrado

Segundo especialistas, a conservação do Cerrado é fundamental para combater a crise climática no Brasil. O bioma é fundamental para a segurança hídrica e alimentar.

“Para garantir a preservação do Cerrado, é necessário criar incentivos que vão além do que estabelece o Código Florestal, protegendo as áreas remanescentes de vegetação nativa em propriedades privadas antes que essas ‘ilhas de Cerrado nativo’ sejam totalmente convertidas ou degradadas”, destaca a pesquisadora do IPAM e responsável pelo desenvolvimento do SAD Cerrado, Fernanda Ribeiro.

O desmatamento no Cerrado também tem implicações significativas para a biodiversidade, uma vez que o bioma é lar de inúmeras espécies endêmicas, ou seja, que só existem ali. A destruição de habitats naturais pode resultar na extinção de várias dessas espécies, com consequências irreversíveis para o equilíbrio ecológico. Além disso, o Cerrado é conhecido por ser um bioma chave para a recarga de aquíferos e a preservação de nascentes, sendo muitas vezes chamado de “berço das águas” do Brasil.

Especialistas defendem a criação de programas específicos para o Cerrado, que considerem suas particularidades e promovam o uso sustentável de suas áreas, respeitando tanto a biodiversidade quanto a capacidade produtiva das terras.

O papel das áreas privadas na conservação do bioma também levanta a discussão sobre a necessidade de incentivos econômicos para proprietários rurais que optem por manter a vegetação nativa em vez de desmatar para agricultura ou pecuária. Entre as soluções propostas, estão o pagamento por serviços ambientais, que recompensaria financeiramente aqueles que conservam áreas de floresta e savana, e a criação de programas de certificação para produtos agrícolas oriundos de práticas sustentáveis.

 

 

*R7/Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil – Arquivo

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