Dominique Pelicot, o homem acusado de drogar a ex-mulher para estuprá-la com estranhos, foi condenado a 20 anos de prisão, pena máxima, pela Justiça da França nesta quinta-feira (19). O julgamento ganhou repercussão internacional após a vítima, Gisèle Pelicot, tornar o caso público.
Com isso, Dominique deve sair preso da audiência. Ele foi considerado culpado pelo tribunal em todos os crimes pelos quais foi processado. O homem era acusado de estupro agravado contra Gisèle e outros crimes relacionados, como ter sedado a esposa, tê-la entregado a dezenas de homens para estupros filmados, e também por ter filmado sua filha, Caroline Daian, e sua enteada nuas.
“Senhor Pelicot, em relação ao conjunto dos fatos, o declaramos culpado de estupro com agravantes”, declarou o presidente do tribunal de Avignon, Roger Arata.
Todos os outros 50 réus acusados de estuprar Gisèle também foram considerados culpados pelo tribunal francês. As condenações anunciadas para esses homens variaram entre três e 15 anos de prisão, abaixo dos pedidos pelo Ministério Público francês, em média. Não houve nenhuma absolvição. No total, as penas dos 51 acusados somam 428 anos de prisão, segundo a agência AFP. Veja quem são esses outros 50 homens.
Após o veredito, a advogada de Dominique Pelicot, Beatrice Zavarro, afirmou que ele está considerando recorrer da condenação. Durante o julgamento, o francês havia se declarado culpado pelos crimes dos quais foi acusado. Dominique, assim como os outros 50 réus, têm até 10 dias para apresentar recurso à Justiça.
Dos 50 réus, a pena mais leve, de três anos de prisão –sendo dois com liberdade condicional–, foi aplicada a Joseph C., de 69 anos, acusado de agressão sexual contra Gisèle Pelicot. A mais severa, de 15 anos de detenção, foi de Romain V., de 63 anos, que estuprou Gisèle em seis ocasiões diferentes e é soropositivo –apesar de não ter considerado contagioso no momento dos estupros, por conta de baixa carga viral, segundo afirmou seu advogado com base em documentos médicos.
As penas dos outros 50 réus foram consideradas abaixo do esperado pela imprensa francesa, havendo uma “clara” diferença para a de Dominique. Segundo o jornal “Le Monde”, ativistas feministas que assistiam à sessão manifestaram decepção e gritaram “vergonha para a Justiça” ao final da leitura das penas. Os filhos de Gisèle Pelicot afirmaram estarem “decepcionados com as baixas sentenças”.
Gisèle Pelicot, que exigiu um julgamento público para “fazer a vergonha mudar de lado”, falou com a imprensa na saída do tribunal e agradeceu quem a apoiou durante o processo. Ela disse que fez isso por seus filhos e netos: “essa luta também é por eles”.
“Penso nas outras famílias, nas vítimas dessas histórias, que geralmente viram nas sombras”, afirmou Gisèle.
Ela afirmou também que nunca se arrependeu da decisão de tornar o julgamento público, que ela já havia dito ser para “fazer a vergonha mudar de lado”. “Confio em encontrar um futuro melhor, em que homens e mulheres consigam conviver com respeito mútuo.”
Após o veredito, os 18 réus que já estavam em prisão preventiva continuaram detidos. Dos outros 32 que apareceram em liberdade, foram emitidos 23 mandados de prisão com efeito imediato. Seis dos réus saem em liberdade, ou porque a pena aplicada cobre o período de prisão preventiva já cumprido, ou porque a sua pena foi convertida em liberdade condicional. Outros três também tiveram mandados de prisão especiais emitidos devido a condições de saúde.
Um grande público compareceu à frente do tribunal na manhã desta quinta para acompanhar o anúncio da sentença. Os apoiadores da vítima soltaram gritos de celebração quando as notícias dos primeiros vereditos começaram a circular. O público vaiou um dos condenados pelo caso que saiu em liberdade.
O julgamento começou no dia 2 de setembro em Avignon, no sul da França. Segundo a acusação, Dominique dopou a mulher durante 10 anos e convidou mais de 70 homens para estuprá-la. Ao todo, quase 200 estupros foram registrados. Entenda mais sobre o caso aqui.
O réu e a vítima foram casados por 50 anos. Gisèle só descobriu os estupros após Dominique ser preso em 2020 por ter importunado sexualmente três mulheres em um mercado. À época, a polícia mostrou para Gisèle fotos e vídeos encontrados no computador de seu marido nos quais ela aparecia sendo estuprada por diferentes homens.
Ao longo dos três meses e meio de audiência, Dominique confessou o crime e pediu perdão à família. Outros 50 homens, que também são réus no caso, também prestaram depoimento. Alguns afirmaram que não sabiam que Gisèle havia sido drogada.
Os crimes
Durante o julgamento, Dominique Pelicot admitiu que dava para Gisèle doses de tranquilizantes sem que ela soubesse. Para isso, ele misturava os medicamentos na comida e na bebida. Depois, em um site de encontros da França, ele convidava outros homens para estuprá-la.
De acordo com as investigações, Dominique pedia para que os homens não acordassem Gisèle. Além disso, os estupradores tiravam a roupa na cozinha, para evitar que elas fossem esquecidas no quarto do casal.
“Assisti a todos os vídeos. Não são cenas de sexo, são cenas de estupro. Dois, três deles sobre mim. Fui sacrificada no altar do vício”, disse Gisèle durante uma entrevista em setembro.
O processo aponta ainda que Dominique participava dos estupros e filmava os crimes. Ele não pedia dinheiro em troca. Ao longo de 10 anos, mais de 70 homens com idades entre 21 e 68 anos participaram dos estupros. Destes, 22 não foram identificados.
Alguns dos acusados afirmaram que não sabiam que a vítima estava drogada e alegaram que pensavam estar participando de uma fantasia sexual do casal.
Por outro lado, Dominique disse que todos sabiam que a mulher estava inconsciente.
O julgamento
O julgamento de Dominique Pelicot começou no dia 2 de setembro, em Avignon, no sul da França. Durante as audiências, Caroline, filha dele, também descobriu que o pai guardava fotos dela nua.
Segundo a imprensa local, ao saber das imagens, Caroline abandonou a sala de audiência tremendo e chorando. Ela foi amparada pelos dois irmãos e só retornou 20 minutos depois.
As fotos em questão foram encontradas no computador de Dominique, em uma pasta com o nome “Em volta da minha filha, nua”.
Dominique negou que tenha drogado e estuprado a filha. No entanto, Caroline disse à imprensa francesa que duvidava do pai.
Outro caso que chamou a atenção durante as audiências foi o relato de Jean-Pierre Marechal, um amigo de Dominique. Ele disse que copiou o método usado pelo acusado para estuprar a esposa.
Durante o depoimento, Marechal afirmou que Dominique também estuprou a esposa dele. Ele disse estar arrependido do crime. O amigo do acusado também se tornou réu no caso, apesar de não ter abusado de Gisèle.
Sentença
Na última audiência do julgamento, na segunda-feira (16), Dominique pediu perdão à família e disse que admirava a coragem que Gisèle teve para tornar o caso público.
“Todos aqui, apesar da presunção de inocência, são culpados, assim como eu”, disse.
A promotora Laure Chabaud pediu a pena máxima possível por estupro agravado. Se a Justiça acatar o pedido, Dominique pode ser condenado a 20 anos de prisão.
A maioria dos outros 50 réus também é acusada de estupro agravado. A promotoria pediu penas entre 10 e 18 anos de prisão para os investigados.
Os demais réus também tiveram oportunidade de falar no último dia de audiências. Alguns voltaram a pedir desculpas para Gisèle, enquanto outros negaram os crimes.
Fonte: G1/Foto: Reuters