Silvia Almeida se casou aos 18 anos, grávida do seu primeiro namorado, com quem deixou de ser virgem. Aos 30, foi diagnosticada com HIV, após o marido adoecer, em 1994. Seu filho mais novo tinha 1 ano e meio e não chegou a ser infectado.
O marido morreu pouco tempo depois, mas ela conseguiu se tratar com o apoio da empresa onde trabalhava, que adquiriu medicamentos ainda não disponíveis no sistema público à época. Hoje, aos 60 anos, Silvia é aposentada, ativista e lembra dos momentos difíceis, mas conta estar indetectável há 25 anos e nunca ter adoecido de Aids.
Em entrevista, Silvia dá uma aula de positividade, esperança e sabedoria. Ela revela que, ter saído da responsabilização para a compreensão, foi o melhor caminho que tomou. Silvia conta que tinha superado uma traição do marido e que os dois eram muito felizes e estavam muito bem, quando veio o diagnóstico.
“A gente se gostava muito e foi muito difícil vê-lo adoecer. Apesar de tudo, ele era um marido muito carinhoso, muito bom, um excelente pai. Não dava para pegar um amor de 20 anos, que foi o que a gente viveu entre namoro e casamento e jogar fora”.
Ela desmistifica a questão do grupo de risco e diz que, há 30 anos, quando muitos ainda não conheciam a doença, todos os infectados eram vítimas.
Silvia destaca importância de a mulher ter autoestima e de saber negociar o uso do preservativo. “É preferível perder uma transa do que perder a saúde”, afirma.
A ativista é “completamente a favor da educação sexual nas escolas”, acredita que o diálogo é o mais importante num casamento e dá um recado aos homens: “não é lavou tá novo. Tem que ter uma prevenção. Se se você não conseguir não ter uma relação extraconjugal, se proteja, proteja sua família”.
Silvia comemora o avanço da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), defende a expansão do uso dela para mulheres que sofrem violência sexual, mas lamenta não se falarem mais de camisinha. “A PrEP pode evitar o HIV, mas ela não vai evitar a sífilis, não vai evitar uma gonorreia”, explica.
Ela lembra que recebeu um grande apoio na empresa onde trabalhava como recepcionista, quando precisou contar que foi contaminada. Mas lamenta que isso não ocorre na maioria dos casos.
Após perceber que o conceito de grupo de risco estava errado, ela iniciou um movimento como ativista na empresa. Silvia quando pediu ao mesmo diretor que a ajudou com remédios para falar de prevenção na corporação e foi promovida para a área de responsabilidade social.
“As empresas não têm ideia do quão importante é abraçar essa causa. A gente vê pouquíssimas empresas com políticas de prevenção ao HIV”, destaca.
Após a morte do primeiro marido por Aids, Silvia chegou a ficar casada com outra pessoa por 10 anos e depois deve outro relacionamento por mais 5 anos. Ela destaca que quem faz o tratamento corretamente e tem o HIV indetectável não transmite o vírus.
Quando o marido dela morreu, a filha mais velha deles tinha 14 anos e teve muito medo de perder a mãe também. Mas conforme a Silvia foi fazendo seu tratamento e se recuperando emocionalmente, foi transmitindo também mais confiança para a filha e passou a ser a referência de prevenção de todas as amigas dela.
Silvia já chegou a tomar 30 comprimidos num dia, ficou uma semana internada, perdeu cabelo, mas hoje tem o vírus controlado e toma quatro comprimidos diariamente. Ela diz que conseguiu sair do papel de vítima e passou a ter um protagonismo ao falar de prevenção – tanto dentro da empresa quanto na mídia, posteriormente.
Hoje Silvia mora no interior de São Paulo e esbanja simpatia e sorrisos ao contar que tem quatro netos e falar de toda a sua trajetória.
Confira abaixo a entrevista:
1 – Como era seu casamento antes do diagnóstico?
“Eu me casei aos 18 anos, em 1982, com meu primeiro namorado, e deixei de ser virgem com ele. Ele era um jovem de 22 anos e me casei grávida. Eu sempre digo que a mesma falta de informação que eu tive no início da minha adolescência a gente vê hoje as jovens tendo comumente. Elas se relacionam desprevenidas, engravidam e a gente tem um número de gestação na adolescência muito alto no Brasil.
2 – Como foi o diagnóstico de vocês dois?
Eu vivi 14 anos com o meu parceiro, tivemos uma primeira filha. A vida corria normal. Trabalho, casa, marido, relacionamento bom, estável e éramos muito felizes. Mas ele era jovem, né?
Quantos homens na vida já não tiveram relações extraconjugais? A gente não conseguiu entender qual o momento ele se infectou, mas ele teve uma relação extraconjugal e a gente conversou sobre isso. Eu resolvi perdoá-lo porque dentro dessa cultura que a gente vive, eu entendi que era uma coisa que poderia acontecer com qualquer pessoa.
Ele teve um caso antes da doença e a gente conversou muito. A gente resolveu superar isso e a gente tocou a vida. E a Aids veio depois que a gente já estava tocando a vida de novo.
Mas quando ele começa a adoecer, a mãe dele trabalhava num dos primeiros centros de testagem e atendimento de HIV da Zona Leste de São Paulo. Ela era auxiliar de enfermagem e pediu para que ele fizesse um teste de Aids, que veio positivo.
Naquela época a gente falava teste de Aids, porque a gente só descobria a Aids já instalada. Hoje, a gente sabe certamente a diferença entre o HIV, que é o vírus da imunodeficiência adquirida, e que a decorrência desse vírus não tratado se torna a síndrome, que é a Aids. O resultado demorou três meses para vir.
Foi um baque, uma loucura, porque numa relação estável, é claro que eu pensei: se ele tem, eu também vou ter. E gente nunca usou camisinha. Eu tinha 30 anos e éramos um casal superativo sexualmente. Um o casal que se dava muito bem. É claro que o foco e a minha grande preocupação era a criança (de um ano e meio) não ter sido infectada. E não foi. Meu filho não foi infectado por uma grande sorte, uma grande benção. Porque eu tive parto normal, amamentei e provavelmente eu já tinha sido infectada. Só que eu ainda não tinha desenvolvido a Aids, não tinha baixado a minha imunidade.
A gente se gostava muito e foi muito difícil vê-lo adoecer. Apesar de tudo, ele era um marido muito carinhoso, muito bom, um excelente pai. Então, eu fui entendendo que se ele tivesse cometido algum erro dentro da nossa relação, ele era a pessoa que mais estava sendo prejudicada, sabe? Foi difícil entender isso. Foi difícil sair da responsabilização para a compreensão, mas eu acho que foi o melhor caminho que eu tomei, porque eu comecei a fazer parte de uma ONG e eu fui entendendo que não existiam culpados.
Todo mundo era uma vítima, porque até então ninguém sabia que existia o HIV e ninguém transava de camisinha.
E desde que o mundo é mundo, o homem sempre teve a “liberdade” de ter mais parceiros do que uma mulher. Isso dentro do machismo estrutural que a gente vive no Brasil e em várias partes do mundo. Não dava para pegar um amor de 20 anos, que foi o que a gente viveu entre namoro e casamento e jogar fora. Então, as minhas reflexões me levaram a compreender que ele tinha sido tão vítima quanto eu e que, infelizmente, ele estava muito doente.
Quando veio o resultado positivo de HIV e Aids dele, para ele também foi uma bomba, porque ele não era grupo de risco, ele não era gay, ele não era usuário de drogas, ele não era garoto de programa.
3 – Qual recado você dá para os homens?
As pessoas brincam com a sexualidade. Não é ‘lavou tá novo’. Tem que ter uma prevenção, tem que ter um cuidado. Se você não conseguir não ter uma relação extraconjugal, se proteja, proteja sua família, proteja sua seus filhos. Se preserve, use preservativo. Hoje em dia a gente não fala mais de preservativo. Como se tem o PrEP (profilaxia pré-exposição)* que não é para todo mundo, ninguém mais fala de camisinha. A PrEP pode evitar o HIV, mas ela não vai evitar a sífilis, não vai evitar gonorreia.
4 – O que você diria para as mulheres?
Se for inevitável uma puladinha de muro, que seja imprescindível a responsabilidade de usar uma proteção numa relação extraconjugal. Mas o que eu acho que é mais importante dentro de um casamento é o diálogo. Entender, reconhecer se está bem. Porque, geralmente, quando existe uma relação extraconjugal é porque a relação não está legal. Acho que primeiro precisa tratar dessa relação. Então, muito diálogo entre o casal e com os filhos.
A gente precisa muito ter a autoestima. É preferível perder uma transa do que perder a saúde. Então a mulher precisa aprender a negociar o preservativo. Nós temos o órgão sexual receptivo. A gente recebe numa relação sexual o esperma que vai ficar no mínimo 24 horas dentro do nosso corpo.
5 – Como você analisa o comportamento da população atualmente em relação a prevenção?
A PrEP pode ser usada diariamente e é como se fosse um anticoncepcional. A gente fala muito de PrEP porque é muito importante para os jovens e principalmente para a população LGBT. É muito usado por pessoas que reconhecem que não vão usar preservativo e que vão ter situações de risco.
E tem uma questão do movimento de mulheres para expandir a PrEP para a população feminina, que muitas vezes sofre violência sexual. É claro que essas mulheres não conseguem negociar o preservativo nesse momento.
Se ela sabe que ela tem esse risco, vivencia uma vida de violência, então ela poderia fazer o uso da PrEP como se fosse o uso de um anticoncepcional.
A PrEP é um avanço importante da ciência que precisa se expandir. Mas a gente não pode falar só de PrEP. A gente precisa voltar a falar do preservativo. É uma coisa que a gente deixou um pouco de lado nesses últimos anos, por muitas questões, e até por políticas de investimento que o Brasil passou.
Você precisa ir num ambulatório de HIV e Aids e passar pela triagem para eles identificarem a sua necessidade e você pegar gratuitamente no SUS.
Muitas vezes o adolescente inicia uma vida sexual porque o corpo muda, o desejo chega, a balada vem. Mas e aí? Até que ponto fisicamente esse adolescente se conhece, se entende e sabe dos riscos de uma relação desprotegida? De uma gravidez não planejada, de uma Aids, de um HIV?
Quantas vezes os adolescentes já estão com a vida sexual ativa e os pais nem sabem? Não existe esse diálogo, né?
Eu sou completamente a favor da educação sexual nas escolas, porque precisa tirar esse tabu de que a escola vai incentivar o adolescente a iniciar a vida sexual.
A educação sexual vai fazer com que o adolescente conheça o seu corpo e entenda o que está acontecendo. Escolha o melhor momento de ter a sua relação sexual, entenda o que é preciso para se proteger nesse momento. Então tem uma série de coisas que podem proteger este adolescente dentro da educação sexual e da saúde sexual e reprodutiva. E o diálogo é o mais importante.
Entenda o HIV
O HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) invade e enfraquece o sistema imunológico, que protege o corpo contra doenças. O vírus atinge principalmente os chamados linfócitos T CD4+. Ele modifica o DNA dessas células e se replica. Após se multiplicar, o HIV destrói os linfócitos e continua a infecção em novas células.
Pessoas que vivem com HIV/Aids (PVHA) com carga viral indetectável, ou seja, uma baixa quantidade de cópias do vírus, não têm risco de transmitir o HIV por via sexual e podem viver uma vida normal.
Já quem vive com HIV/Aids e não está em tratamento ou possui carga viral detectável pode transmitir o vírus a outras pessoas
Como ocorre a transmissão
A transmissão pode ocorrer por meio de:
- Relações sexuais sem proteção;
- Compartilhamento de seringas contaminadas;
- De mãe para filho durante a gravidez e a amamentação, caso não sejam adotadas as medidas; preventivas necessárias;
Quais são as formas de prevenção?
A maneira mais eficaz de prevenir o HIV é a prevenção combinada, que utiliza várias abordagens simultâneas para atender diferentes necessidades e formas de transmissão. Entre as estratégias de prevenção contra o HIV disponíveis no SUS, segundo o Ministério da Saúde, estão:
- Preservativos (camisinha)
- Profilaxia pré-exposição (PrEP diária e sob demanda): uso de comprimido até duas horas antes da relação, o que permite ao organismo estar preparado para enfrentar um possível contato com o HIV.
- Profilaxia pós-exposição (PEP): uso de comprimido até 72 horas após a relação em caso de ter havio sexo desprotegido ou o uso compartilhado de seringas.
Números do HIV no Brasil
Atualmente no Brasil, há 837.321 pessoas em tratamento contra o HIV, com 95% delas apresentando supressão viral. Desse total, 558.616 são do sexo masculino e 278.705 são do sexo feminino.
Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil está comprometido com a eliminação das infecções transmitidas verticalmente como problemas de saúde até 2030, conforme as metas estabelecidas pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A eliminação da transmissão vertical da sífilis é uma prioridade nacional, segundo o Ministério da Saúde. Em fevereiro de 2024, foi instituído o Programa Brasil Saudável, que, além da AIDS, visa eliminar também a transmissão vertical de HIV.