Autodeclarada parda, a estudante de 18 anos Isabele Amaral Batista, de Barrinha (SP), perdeu as duas vagas conquistadas na Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (SP) após negativa da Comissão de Heteroidentificação da universidade.
Ao g1, ela revelou que antes mesmo da avaliação do comitê, chegou a receber um e-mail de confirmação da efetivação da matrícula e o número de identificação na universidade, que dá acesso ao site e é restrito para alunos.
Isabele descobriu que a matrícula havia sido negada quatro dias antes do início das aulas. Na quinta-feira (29), ao acessar o portal para conferir a grade horária, percebeu que foi desconectada.
“Enviei um e-mail para eles [central de matrículas] e eles falaram que a Comissão de Heteroidentificação não tinha me aceitado”.
O ano letivo na USP Ribeirão começou no dia 4 de março.
Em uma troca de e-mails entre a estudante e a universidade a que o g1 teve acesso, Isabele chega a informar que tem a mãe parda, pai moreno e avó materna morena com descendência indígena para explicar ascendência.
A estudante chegou a ser convocada para uma oitiva virtual após ter a fotografia reprovada por duas bancas da universidade e, mesmo assim, não conseguiu aprovação.
“A resposta [durante a oitiva] foi sobre a vaga ser cancelada”, diz Isabele.
Procurada pelo g1, a USP disse, por meio de nota, que não tem condições de citar casos específicos e informou como é feito o processo de avaliação na instituição.
Duas aprovações, nenhuma vaga
Isabele foi aprovada em dois cursos diferentes na USP: Matemática Aplicada e Informática Biomédica.
Ela conta que passou na primeira chamada no curso de Matemática Aplicada pelo Provão Paulista.
Ao tentar fazer a pré-matrícula, recebeu um e-mail dizendo que a inscrição havia sido negada pela Comissão de Heteroidentificação.
À estudante, foi sugerida a oitiva virtual, de que participou por meio de uma chamada de vídeo, mas mesmo assim não foi aceita.
No mesmo dia, ela foi convocada para a segunda chamada da Fuvest para Informática Biomédica e, como optou pelo segundo curso, entrou em contato com a universidade para entender se precisaria entrar com recurso por ter sido negada anteriormente.
Isabele se inscreveu para o vestibular na modalidade PPI (pretos, pardos e indígenas) e baixa renda.
Segundo a estudante, a resposta foi de que não era necessário entrar com recurso, mas passaria por uma nova avaliação pelo comitê responsável.
Uma semana depois, Isabele recebeu um novo e-mail dizendo que a autodeclaração de raça/cor dela não foi aceita após dupla análise de fotografias e que ela seria convocada para uma etapa de verificação em São Paulo.
“Enviei um e-mail falando que eu não tinha condições [de ir até São Paulo], mas simplesmente ignoraram”.
O que diz a USP?
Ao g1, a USP explicou como funciona a aprovação de estudantes por meio de cotas raciais.
Segundo a universidade, de acordo com a resolução que estabeleceu o processo de heteroidentificação, a análise de fotografias é feita por duas bancas de cinco pessoas, que se baseiam apenas em fatores fenotípicos.
- Caso a foto não seja aprovada por uma das bancas por maioria simples, é direcionada automaticamente para a outra banca.
- Nenhuma das bancas sabe se é a primeira ou segunda vez que a foto está sendo analisada para garantir uma análise cega das fotografias.
- Ao final do processo, caso as duas bancas não aprovem a foto por maioria simples, o candidato é chamado automaticamente para uma oitiva presencial (no caso se aluno que ingressou pela Fuvest) e virtual (se o aluno foi aprovado pelo Provão Paulista ou Enem).
Na oitiva, a análise também é estritamente fenotípica, a banca não faz nenhuma pergunta sobre a vida do candidato e analisa, de acordo com o informado pela universidade, cor da pele morena ou retinta, nariz de base achatada e larga, cabelos ondulados, encaracolados ou crespos e se os lábios são grossos.
A matrícula do aluno só pode ser confirmada após aprovação pela banca de heteroidentificação.
- O candidato tem direito a apresentar recurso, que é analisado por uma terceira banca, também formada por cinco pessoas. Essa banca prepara um parecer sobre o recurso, deferindo ou indeferindo o pedido.
- O conselho da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento analisa e informa a decisão.
Sonho de fazer faculdade
Aluna de escola pública, Isabele conta que tinha medo de não conseguir passar no vestibular por conta do ensino defasado a que teve acesso ao longo da vida estudantil.
Outro ponto era que, se não fosse em uma faculdade pública, ela não teria condições de estudar em nenhuma outra.
“Estava com medo de não conseguir entrar em nenhuma e tenho muito desejo de fazer faculdade. Sabia que se eu não conseguisse pela universidade pública, não ia ter como fazer nenhum curso”.
Quando recebeu a notícia de que tinha sido aprovada, lembrou do esforço que a mãe fez para que conseguisse estudar.
“Teve uma época que eu estava em busca de algum trabalho para ajudar aqui [em casa], mas ela disse pra eu focar nos estudos, que em relação ao financeiro eles dariam um jeito”.
A escolha do curso de Informática Biomédica veio no terceiro do ensino médio, quando Isabele se inscreveu em uma eletiva de robótica da escola e passou a se interessar pela área de tecnologia.
Sem saber do futuro na universidade, a estudante lamentou ter ficado de fora da semana de integração.
“Não participei porque estava esperando uma resposta deles, estava com medo de ir e ser barrada lá. Como não tenho condições [financeiras] e ainda não recebi o auxílio que tinha sido aceita, pra mim não ia dar certo ir e acabar sendo barrada”.
Fonte: G1/Foto: Arquivo Pessoal