Manaus não tem alternativa de transporte para implantar rodízio de veículos. A afirmação é do especialista em trânsito e mobilidade urbana Rafael Cordeiro, ao avaliar a proposta do vice-prefeito Renato Júnior sobre a possibilidade de limitar a circulação de veículos na capital amazonense.
Na capital circulam 900 mil veículos, segundo o Detran, e o transporte coletivo é limitado ao modal ônibus, frequentemente alvo de críticas por sua baixa qualidade e cobertura.
A medida, segundo Renato, está sendo estudada pela prefeitura como alternativa futura para reduzir congestionamentos. No entanto, Cordeiro afirma que a implementação do rodízio depende de pré-requisitos básicos, como o fortalecimento do transporte público — hoje limitado exclusivamente ao modal de ônibus. “Uma política pública que decida implantar o rodízio de veículos deverá levar em consideração que, como contrapartida, deverá proporcionar meios de transporte alternativo”, ressaltou.
Para o especialista, o objetivo do rodízio — diminuir o tráfego em horários de pico — só poderá ser alcançado com equilíbrio social e eficácia se houver investimentos estruturantes. “Manaus não tem alternativas. A população busca saídas diariamente diante da baixa qualidade que as empresas de transporte coletivo ofertam aos passageiros”.
Gargalos históricos
Trechos como a Bola do Coroado, Bola do Eldorado, avenidas Djalma Batista, Constantino Nery e Rodrigo Otávio continuam sendo os principais gargalos do trânsito em Manaus. Para Cordeiro, a falta de obras estruturais nas últimas décadas mantém essas vias sobrecarregadas. “A implementação de um rodízio pode amenizar a situação no primeiro momento, mas sem intervenções viárias contínuas, esses trechos seguirão com congestionamentos crônicos”.
Cordeiro também alerta que, se mal planejada, a medida pode ampliar desigualdades sociais. “Quem tem condição compra um segundo carro. Já quem mora nas áreas periféricas e depende da motocicleta ou do transporte público será diretamente prejudicado”, afirmou.
Ele destacou ainda que a maioria dos bairros afastados não dispõe de acesso eficiente ao transporte coletivo, o que dificultaria a locomoção dos moradores diante de restrições de circulação. “A partir do momento em que o gestor público não tem mais condições de atuar, o caminho é a limitação, mas Manaus ainda precisa fazer o seu dever de casa para chegar neste nível”, afirma.
Risco à economia
O presidente da Associação de Motoristas de Aplicativo de Manaus, Alexandre Matias, também se manifestou contra a proposta. Segundo ele, um rodízio amplo e sem planejamento pode causar “um caos” no trânsito e na economia de milhares de trabalhadores que dependem do carro para sobreviver. “Ele teria que primeiro ver quais veículos são essenciais para o transporte. Senão, estaria causando um problema”, declarou Matias.
O representante dos motoristas defendeu que, caso a medida avance, ela deve ser limitada às áreas de maior fluxo, como o centro da cidade e o bairro Vieiralves, e não aplicada a toda a capital. “Nos bairros, por exemplo, isso seria desnecessário. O motorista de app iria rodar dia sim, dia não, e ainda teria que calcular os deslocamentos para não ser multado”, explicou.
Segundo ele, os usuários seriam os mais prejudicados, especialmente nos horários de pico. “Já temos um caos com a demora no atendimento. Imagine com rodízio.”
Matias concluiu que qualquer proposta de restrição deve ser amplamente debatida com todos os setores envolvidos. “Não pode ser algo imposto. O direito de ir e vir é constitucional. O rodízio, da forma como foi colocado, pode até ser inconstitucional se não for bem estruturado.”
Cenário em outras capitais
Atualmente, apenas São Paulo adota o sistema de rodízio de placas, com resultados questionáveis ao longo dos anos. “No curto prazo, teve efeito. Mas logo surgiu o ‘jeitinho brasileiro’. As pessoas compraram um segundo carro. Hoje, o rodízio persiste, assim como os engarrafamentos”, avaliou Rafael Cordeiro.
Ele finaliza reforçando que Manaus ainda precisa estruturar melhor seu sistema de mobilidade antes de considerar medidas restritivas: “Antes de qualquer limitação, a cidade precisa investir seriamente em transporte coletivo, obras viárias e planejamento urbano”.
O rodízio de placas é uma restrição que limita a circulação de veículos em dias e horários definidos, conforme o final da placa, para reduzir o trânsito e a poluição. Quem desrespeita pode ser multado.
Fonte: Amazonas Atual/Foto: Sefaz-AM/Divulgação