“Entre rios e igarapés, Manaus opta pelo transporte sobre pneus”. Esse é o tema de um estudo sobre o transporte público urbano em Manaus realizado pela organização Mobilize Brasil em 2022. Para especialistas, falta vontade política para a implementação de um novo modal de transporte na cidade, como o hidroviário, por exemplo.
Apesar dos problemas enfrentados no transporte urbano da capital, o IMMU (Instituto Municipal de Mobilidade Urbana) não tem perspectiva para a criação de um novo sistema.
A pesquisa do Mobilize Brasil destaca o crescimento desordenado de Manaus que, num processo histórico, privilegiou o transporte de rodas motorizado em detrimento de outros modais.
O geógrafo e professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), Marcos Castro, explica que mesmo sendo cortada por igarapés e cercada por rios, a cidade nunca teve propostas concretas sobre o transporte coletivo urbano hidroviário, que funcionaria em parte do ano devido o movimento de subida e descida da água, mas que, segundo ele, é uma das soluções para desconcentrar a operação do transporte rodoviário.
“Isso iria requerer bastante investimento e tempo por parte do público, políticas de continuidade, que é o que não existe na governança de Manaus, não só na gestão atual, mas é uma questão histórica. Então, a falta de continuidade de ações inviabiliza qualquer projeto a médio e longo prazo nessa cidade”, disse Marcos Castro.
De acordo com o geógrafo, a interligação das zonas ocorreria por meio de portos em toda a orla de Manaus, estruturando estações nos seguintes locais: Puraquequara, Colônia Antônio Aleixo, Ceasa, feira da Panair, Manaus Moderna, Parque Rio Negro, São Raimundo e Tarumã. Seriam, no mínimo, quatro embarcações, com estimativa de 30 minutos entre um embarque e outro.
Nos bairros, a possibilidade seria a instalação de hidrovias urbanas nos igarapés, mas a poluição do curso d’água e a falta de estrutura para as embarcações inviabiliza o tráfego de passageiros.
“O modal hidroviário só seria estruturado se os igarapés, isto é, as hidrovias urbanas fossem reestruturadas para comportar a circulação de canoas e barcos motorizados que fizessem esse trajeto até os médios cursos desses igarapés no período da cheia”, disse Marcos Castro.
“O que inviabiliza isso? A política de canalização dos igarapés, que, muitas vezes, concretam os leitos, inviabilizando um leito mais profundo. Segundo ponto: a poluição que existe nos igarapés, o mal cheiro, sobretudo a noite, com emissão de gases, como metano sulfídrico”, acrescentou.
Em 2015, o Plano de Mobilidade Urbana de Manaus mostrou que o transporte hidroviário deveria ser objeto de atenção de futuros projetos de mobilidade no município e aponta “presença significativa de um tráfego fluvial de passageiros e de mercadorias”, e que “há a possibilidade de estruturação de ligações regulares de transporte coletivo”.
O Plano menciona que o transporte urbano hidroviário seria possível por meio da estruturação do porto de Manaus e do Terminal Hidroviário Central, incluindo alternativas de navegação em alguns trechos de igarapés. O documento conclui que é necessário um estudo mais detalhado sobre essa questão, envolvendo aspectos de navegabilidade, estruturas físicas de atracação, instalações para passageiros e mercadorias, e a disponibilidade de um ônibus para transportar a população aos terminais hidroviários.
O diretor-presidente do IMMU, Paulo Henrique Martins, diz que não há perspectiva para a estruturação de um sistema urbano hidroviário porque a demanda de passageiros é insuficiente.
“Nós temos pequenos núcleos que têm população na beira do rio. A gente vai ter lá no lado oeste, no Puraquequara, que é uma comunidade muito pequena, depois, nós vamos ter a Colônia Antônio Aleixo, que também não é um grande bairro, depois, toda a área do Distrito. Não tem ninguém na beira do rio. Vamos considerar o Mauazinho. Nós temos a Ceasa, e, saindo dali, temos toda uma área de indústria, e a gente só vai ter de novo população à margem do rio no Educandos”, diz Paulo Henrique.
“A cidade não está na margem do rio. A cidade está longe do rio. O segundo ponto é que mesmo as populações ribeirinhas não têm interesse em ir para o Centro. Ou seja, as viagens delas não são feitas do rio, de margem pra margem. Qual o interesse que a pessoa tem em sair de uma Colônia Antônio Aleixo e ir para o Centro? Tem uma demanda, mas a pessoa vai pra zona norte, zona leste, vem pra Cachoeirinha, vai pra área do Alvorada. Então, mesmo as populações às margens do rio, é um número pequeno que vai para o Centro”, acrescenta.
Segundo Paulo Henrique, seriam necessários R$ 35 milhões para a restruturação das estações hidroviárias. Investimento esse que, segundo ele, está sendo direcionado para resolver os problemas do transporte por ônibus, devido a todas as dificuldades de implementação da malha hidroviária.
“O único lugar com maior quantidade de pessoas é na Compensa. No entanto, a Compensa tá virada de costas. Não tem nenhuma rua na Compensa que dê acesso ao rio. Você precisaria fazer desapropriação, criar toda uma estrutura, e imaginar que essas pessoas que, hoje, estão usando ônibus para chegar no Centro fossem trocar o ônibus para ir de barco. E, mesmo assim, teria que ter uma linha de ônibus para levar essas pessoas, coletar elas dentro do bairro, e levá-las para fazer o embarque no porto”, disse Paulo Henrique.
O próximo Plano de Mobilidade Urbana de Manaus está previsto para ser feito em 2025. O estudo deve avaliar novamente a possibilidade de implantação do sistema urbano hidroviário.
Prioridade para o automóvel
Enquanto a cidade prioriza apenas um modal de transporte, seja coletivo ou particular, o Insituto Mobilize aponta a permanência dos mesmos problemas de mobilidade, já que não existem alternativas para descentralizar e melhorar a qualidade do tráfego urbano de pessoas, e sim de veículos automotores.
“O espraiamento urbano fez com que as administrações priorizassem os carros, com vias largas e calçadas precárias, quando não, inexistentes. A situação é crítica, uma vez que não há estrutura adequada, o que desestimula esse tipo de deslocamento. Além disso, ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas, quando existem, são desrespeitadas. A cidade não se organiza para priorizar os modos não motorizados”, diz Leonard Barbosa, coordenador do Instituto Mobilize Brasil em Manaus.
“É a indiferença para com as pessoas que precisam ou optam por se locomover pelos modais ativos e sustentáveis. Falta infraestrutura básica, especialmente fora das zonas centrais. A capital manauara ainda é uma cidade para os automóveis”, acrescenta.
Foto: Clóvis Miranda/DPE
*Amazonas Atual