A derrota na votação do Projeto de Lei (PL) Antifacção inaugura um novo capítulo da conturbada relação entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a Câmara dos Deputados e evidencia que, mesmo diante das mudanças promovidas na base, o Executivo ainda enfrenta dificuldades de emplacar pautas prioritárias.
O PL 5582/2025, elaborado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, foi colocado nas mãos do deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP) — que se licenciou do cargo de secretário de Segurança Pública do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), para assumir a função. Ele promoveu alterações que desagradaram do governo à oposição, mas garantiu a aprovação do substitutivo com ampla vantagem.
Ao todo, 370 parlamentares votaram pelo avanço do texto, contra 110 que rejeitaram e outros três se abstiveram. O projeto contou com amplo apoio de partidos que possuem cadeiras na Esplanada dos Ministérios, como o MDB, PSD, PP, Republicanos e União Brasil.
A margem da derrota foi maior do que em outras votações simbólicas, a exemplo da derrubada da Medida Provisória (MP) alternativa à alta do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e a urgência do PL da Anistia. No primeiro caso, a retirada de pauta da MP foi apoiada por 251 deputados, enquanto 193 votaram contra — o que resultou na perda da validade de um texto considerado prioritário para o governo. Já a urgência do PL da Anistia contou com 311 votos favoráveis e 163 contrários.
Com isso, o governo sofre um novo revés, com apoio de parlamentares alinhados ao Centrão, mesmo após o esforço promovido para reorganizar a base depois da derrubada da MP do IOF.
No mês passado, a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), encabeçou um limpa em cargos de indicados por parlamentares que votavam contra o governo.
Derrota no PL Antifacção
- O Projeto de Lei nº 5.582/2025 foi aprovado na Câmara por 370 votos a 110, além de três abstenções.
- Sob críticas do governo e da oposição, o relator Guilherme Derrite apresentou seis versões do parecer.
- Para Gleisi, Derrite faz “lambança legislativa” ao alterar pontos considerados essenciais para o combate ao crime organizado.
- O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, considerou que o texto aprovado prejudica mais a Polícia Federal (PF) do que as facções criminosas.
- Agora, a proposta será analisada pelo Senado Federal, sob relatoria de Alessandro Vieira (MDB-SE).
Governo e Câmara sob conflito
Após a aprovação da matéria, o tensão entre o governo e a Câmara voltou a se acirrar. Governistas fizeram críticas aos parlamentares, ao mesmo tempo em que o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse por meio das redes sociais que o governo “escolheu o caminho errado”.
“Não vamos enfrentar a violência das ruas com falsas narrativas. Precisamos estar unidos neste momento. O governo optou pelo caminho errado ao não compor essa corrente de união para combater a criminalidade”, disse Motta nas redes sociais.
O presidente Lula também usou as redes sociais para criticar a proposta chancelada pela Câmara. Na avaliação do petista, o texto enfraquece o combate ao crime organizado e “só favorece quem quer escapar da lei”.
“Precisamos de leis firmes e seguras para combater o crime organizado. O projeto aprovado ontem pela Câmara alterou pontos centrais do PL Antifacção que nosso governo apresentou. Do jeito que está, enfraquece o combate ao crime e gera insegurança jurídica. Trocar o certo pelo duvidoso só favorece quem quer escapar da lei”, escreveu o chefe do Planalto.
Na véspera da votação, a ministra Gleisi Hoffmann havia criticado a ausência de diálogo do relator com o governo. Uma reunião que aconteceria na terça entre Derrite, Motta, Gleisi e o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, foi cancelada.
“Ontem [segunda] eu procurei o presidente Hugo Mota, pedi para que nós pudéssemos fazer uma conversa, o relator se negou a conversar com o governo e ficou conversando em paralelo com várias pessoas e não fez uma conversa com o governo. Nós achamos isso muito ruim”, disse Gleisi.
Alerta no Senado
O governo espera que o resultado do PL Antifacção no Senado seja diferente e que os senadores façam uma discussão mais aprofundada sobre o texto. O otimismo em relação à Casa Alta, porém, pode estar comprometido depois que Lula oficializou a indicação do advogad0-geral da União Jorge Messias para a vaga aberta no STF.
Isso porque o candidato dos senadores e do presidente Davi Alcolumbre (União-AP) era Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Alcolumbre, aliás, era o principal cabo eleitoral do senador e tentou convencer o titular do Planalto de mudar de ideia em relação a Messias.
O desejo de Lula era de que Pacheco disputasse o cargo de governador de Minas Gerais nas eleições de 2026, mas o parlamentar já sinalizou ao presidente que deve encerrar a carreira pública assim que seu mandato atual acabar, em janeiro de 2027.
O anúncio contrário ao desejo de Alcolumbre pode gerar desconforto com o governo, mas Lula precisa do apoio tanto de Pacheco quanto de Alcolumbre para que o nome do AGU passe pela Casa e chegue ao STF.
Messias ainda deve passar por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e por aprovação no plenário da Casa para chegar ao Supremo. A tramitação, no entanto, deve ser turbulenta, visto que a votação da recondução do procurador-geral da República, Paulo Gonet no Senado foi aprovada com a margem mais apertada desde a redemocratização — apenas quatro votos a mais do que o necessário.
Fonte: Metrópoles/Foto: KEBEC NOGUEIRA/METRÓPOLES @kebecfotografo




