O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai rastrear famílias em situação de insegurança alimentar grave e pretende criar um sistema de monitoramento permanente da desnutrição com o objetivo de tirar o Brasil do Mapa da Fome.
Em entrevista à reportagem, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias (PT), prevê que o país estará neste caminho até 2026, quando os dados já devem mostrar uma melhora em relação ao cenário atual.
Para acelerar a melhora dos indicadores, o Executivo lança nesta quinta-feira (31) o plano “Brasil Sem Fome”, que inclui programas já em execução e novas iniciativas para reduzir a insegurança alimentar da população.
O Brasil deixou a lista de países do Mapa da Fome em 2014, sob o governo Dilma Rousseff (PT), mas retornou em 2018, em um retrocesso inédito no mundo, segundo especialistas.
O relatório mais recente da FAO (braço da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), divulgado em julho, mostra que cerca de 10,1 milhões de brasileiros passaram fome no período de 2020 a 2022 – o equivalente a 4,7% da população.
A saída do Mapa da Fome depende de o país registrar uma taxa abaixo de 2,5% da população de brasileiros que enfrentam falta crônica de alimentos num período de três anos. Isso significa reduzir o número de pessoas que passam fome a cerca de 5,5 milhões.
Dias disse que, em 2026, esse número já terá sido alcançado, mas talvez ainda não na base trienal usada pela FAO na classificação do Mapa.
Do ponto de vista formal, a meta do governo é sair novamente do registro até 2030, mas a gestão petista quer acelerar a melhora dos indicadores.
“O presidente quer que a gente trabalhe para reduzir a fome, reduzir a pobreza já neste mandato. [O objetivo] é chegar, no mínimo, a uma medição [abaixo dos 2,5%] neste mandato. Eu estou otimista. Eu acho que a gente tem boa chance”, disse o ministro.
Outro objetivo do plano é reduzir a menos de 5% o percentual de domicílios em insegurança alimentar grave. Segundo a FAO, a prevalência da insegurança alimentar severa no país ficou em 9,9% entre 2020 e 2022, o que representa 21 milhões de habitantes.
O governo também quer diminuir, ano a ano, a taxa de pobreza da população. “Nós vamos tirar, de novo, o Brasil do Mapa da Fome e nós vamos, sim, reduzir a pobreza no Brasil ano a ano. E eu digo que já teremos resultados positivos a partir deste ano, com redução da fome”, afirmou Dias.
Os detalhes do plano “Brasil Sem Fome” foram apresentados a Lula em reunião no Palácio do Planalto nesta quarta-feira (30).
O lançamento oficial será nesta quinta no Piauí, terra natal do ministro do Desenvolvimento Social e onde também foi inaugurado, no início de 2003, o programa Fome Zero, uma das primeiras bandeiras sociais de Lula ao assumir seu primeiro mandato.
Dias destaca que a reformulação do Bolsa Família já foi um passo importante na direção da redução da fome no país. O programa hoje garante um valor mínimo de R$ 142 por integrante da família beneficiária, além de repasses focados em crianças, adolescentes, gestantes e nutrizes.
Segundo o ministro, o fortalecimento das transferências de renda permitiu que 18,5 milhões de pessoas saíssem neste ano da linha da pobreza, que é de R$ 218 por pessoa.
No entanto, o pagamento do benefício não é suficiente para resolve r as situações mais graves. Por isso, a estratégia é ampliar a articulação de programas já existentes na União, nos estados e nos municípios para elevar a eficiência das medidas de combate à fome.
Uma das medidas do plano é a previsão de maior integração entre as redes do SUS (Sistema Único de Saúde) e do SUAS (Sistema Único de Assistência Social).
Hoje, um cidadão que busque atendimento em uma UBS (Unidade Básica de Saúde) e apresente quadro de desnutrição muitas vezes é medicado e recebe alta. “Agora, [a UBS] comunica para a rede SUAS”, disse o ministro.
Segundo ele, a ideia é que o cidadão seja encaminhado ao Cras (Centro de Referência de Assistência Social) ou receba a visita de um assistente social.
Se ele não for beneficiário de nenhum programa, será incluído no Cadastro Único, conforme os critérios do registro. Se já recebe alguma transferência de renda, terá o complemento de outras políticas.
“Vai receber uma cesta básica, ou passa a ser atendida pelo Programa de Aquisição de Alimentos, que a gente compra ali na região dela, e ela vem para a relação das famílias assistidas. Pode ser num restaurante popular, numa cozinha solidária, ou com recebimento de quentinha”, exemplifica Dias.
O governo também quer usar o Cadastro Único para mapear beneficiários do Bolsa Família que em tese têm acesso a alimentos, a julgar pelo valor da transferência de renda, mas ainda assim estão fora de outros programas, o que acaba gerando maior comprometimento de renda com outros gastos que não a compra de comida.
“Quais famílias têm que gastar esse dinheiro que nós transferimos com energia e não estão na tarifa social [programa que isenta a conta de luz para a baixa renda]? Ou gastam com um aluguel e não estão no Minha Casa, Minha Vida?”, explicou.
Em outra iniciativa, o plano prevê reforçar a alimentação escolar, sobretudo num contexto de previsão de aumento no número de creches e escolas de tempo integral. “Essa ideia casa com um outro potente programa, que é o da compras governamentais da agricultura familiar”, acrescentou Dias.
Segundo ele, o objetivo é que a alimentação da rede pública (escolas, universidades, hospitais, Exército, restaurantes populares) alcance o patamar de 30% de produtos locais. Hoje, o percentual é de apenas 5%.
Além de otimizar a articulação entre os programas, o governo trabalha no desenvolvimento de um monitoramento constante da fome no país.
Atualmente, o governo acompanha esse quadro a partir de indicadores da FAO ou pesquisas feitas por grupos de pesquisadores, como a Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).
Pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), como o Censo Demográfico e Pnad Contínua, trazem dados sobre rendimentos e situação de pobreza, mas o governo busca um monitoramento mais focado na questão da fome.
A equipe de Wellington Dias tem dialogado com IBGE e Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em busca de uma forma de incorporar a metodologia da FAO em suas rotinas de pesquisa.
Com isso, o Brasil poderia obter uma medida da desnutrição mais atual e, ao mesmo tempo, regionalizada, direcionando esforços para locais onde o problema é mais grave.
Desde já, porém, o MDS trabalha para filtrar os dados do CadÚnico e produzir estatísticas de insegurança alimentar por município, com recortes por gênero, faixa etária e raça – algo inédito no país.
O “Brasil Sem Fome” não deve gerar novas despesas públicas. Dias afirmou que a ideia é seguir adotando medidas para evitar fraudes e irregularidades nos cadastros de programas sociais, especialmente do Bolsa Família. “A autorização que o Congresso nos deu [para ampliar os gastos sociais] nos enche de muita responsabilidade para evitar fraude”, disse.
O governo vai investir num sistema para reunir dados dos programas sociais. Com isso, haverá espaço no Orçamento para fortalecer as políticas públicas já existentes.
“Todos nós sabemos que o social é também parte da estratégia econômica”, afirmou Dias, ao ressaltar que mantém diálogo constante com os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), além de Lula.
Isso significa, na visão do ministro, que a elevação de renda dos mais pobres gera aquecimento da atividade econômica e riqueza para o país.
Entenda o Brasil sem Fome
O que é?
O Brasil Sem Fome é um plano que reúne mais de 90 programas e ações do governo federal, além de mobilizar outros Poderes e esferas de governo, com o objetivo de retirar novamente o país do Mapa da Fome. O programa é inspirado em iniciativas passadas, como Fome Zero e Brasil Sem Miséria, e foi elaborado no âmbito do Sisan (Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional).
Quais são as principais metas?
– Tirar o Brasil do Mapa da Fome até 2030 (ministro fala em melhora no quadro já neste mandato, até 2026)
– Reduzir taxas totais de pobreza ano a ano
– Reduzir a menos de 5% o percentual de domicílios em situação de insegurança alimentar grave (indicador ficou em 9,9% entre 2020 e 2022)
Quais são as principais estratégias?
– Aumento da renda disponível para comprar alimentos
– Busca ativa de famílias para sua inclusão em programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, ou distribuição de alimentos
– Criação de diretrizes e orientações para fazer com que as pessoas que passam fome no Brasil sejam adequadamente identificadas e atendidas no SUS, no SUAS e no SISAN
– Ampliação dos equipamentos públicos de alimentação, com credenciamento de cozinhas solidárias para receber e distribuir alimentos do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos)
– Retomada, aperfeiçoamento e ampliação dos programas de fortalecimento da agricultura familiar, inclusive por meio de crédito
– Informação e mobilização da sociedade, de outros poderes e de outros entes federativos para erradicação da fome
– Criação de um painel público para divulgar iniciativas de combate à fome desenvolvidas pela sociedade civil
Como o Brasil Sem Fome vai ser monitorado?
A partir dos dados do Cadastro Único, o governo vai produzir indicadores sobre o número de pessoas em insegurança alimentar grave por município, com recortes por faixa etária, sexo e cor/raça, algo inédito no Brasil.
O governo também discute com IBGE uma forma de obter um panorama de segurança alimentar da população a partir de pesquisas já existentes.
Há ainda a previsão de criar um grupo de trabalho de Indicadores e Monitoramento, para acompanhar de perto as metas específicas do Brasil Sem Fome.
Foto: Marcello Casal/ABr
*Agência Brasil