Início Popular Juliana foi deixada para trás: quem decide quem merece ser salvo?

Juliana foi deixada para trás: quem decide quem merece ser salvo?

0

Juliana Marins não somente caiu. Porque Juliana caiu e ficou. Caiu e esperou. Caiu e foi esquecida. Ali, ferida, entre pedras, lama e silêncio, no Monte Rinjani, na Indonésia, ela talvez ainda acreditasse que o mundo se importava com a sua vida. Mas não se importou.

Ela era uma jovem brasileira. Negra. Publicitária. Sonhadora. Estava em viagem, vivendo uma dessas experiências que a juventude ainda permite desejar: trilhar o desconhecido, ver o mundo de perto, ampliar os próprios limites. Mas seu corpo caiu. E com ele, caiu também a máscara de um sistema que continua decidindo quem merece ser salvo.

Juliana ficou quatro dias à espera de socorro. Não estava perdida. Não estava em área remota. Sua localização foi informada. Seus amigos e sua irmã fizeram tudo que estava ao alcance. Mas o socorro não veio. Ou veio tarde demais. O governo indonésio divulgou, no início, que ela havia recebido atendimento. Mentiu. O parque onde ela caiu permaneceu funcionando normalmente, com trilhas abertas e turistas circulando. Juliana estava no chão, fraturada, sem água potável, sob chuva, sem sinal de rádio. E o mundo girando como se nada tivesse acontecido. A resposta foi morosa, hesitante, burocrática. E a vida de Juliana, como tantas outras vidas não brancas, não europeias, não centrais, pareceu não caber na urgência do mundo.

Há perguntas que doem: quantas Julianas mais serão abandonadas? Quantas mulheres negras, mesmo com o passaporte em mãos, continuam sendo tratadas como presenças invisíveis, mesmo quando gritam por ajuda?

O que aconteceu com Juliana Marins não é um acidente. É um espelho. E ele nos mostra o que talvez muitos não queiram ver: que ainda hoje, em pleno 2025, o valor da vida segue sendo medido pela cor da pele, pelo país de origem, pelo gênero, pelo peso político do sobrenome. Juliana não foi só vítima de uma queda. Foi vítima da indiferença.

Ela tinha uma vida inteira pela frente. Tinha afeto, tinha família, tinha sonhos, tinha planos. E tudo isso ficou no meio da trilha. Foi soterrado pela lentidão do resgate, pela burocracia que escolhe quem vale a pena salvar. Juliana morreu cercada de mato, mas foi o abandono humano que a matou.

Não há beleza no que houve. Não há consolo. Há revolta. Há urgência. Há uma necessidade radical de repensar como operam as estruturas internacionais de cuidado, resgate, acolhimento. Juliana precisa ser lembrada não apenas como vítima, mas como um grito: o de que ainda somos deixados para trás. No Brasil ou na Indonésia, em trilhas de vulcões ou nas vielas do asfalto.

Que seu nome não desapareça. Que sua história não se apague sob o pretexto de ser “mais uma fatalidade”. Que sua memória nos convoque. Juliana Marins foi deixada para trás. Que essa frase, dita hoje com dor, se transforme em denúncia — e em compromisso.

 

 

 

*Metrópoles/ Por: Rodrigo França/Foto: Reprodução 

 

 

SEM COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Sair da versão mobile