Temendo resgates ou fugas, a Corregedoria da Polícia Civil solicitou para que dez policiais, presos no presídio da instituição — na zona norte de São Paulo — fossem transferidos para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). A solicitação, porém, foi negada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, de acordo com decisão obtida pelo Metrópoles.
Em sua argumentação enviada em março deste ano — e não aceita pelo juiz Hélio Narvaez –, o corregedor-geral da Polícia Civil, João Batista Palma Beolchi, afirmou que os dez policiais, para os quais solicitava a transferência, foram indiciados por organização criminosa.
“Pontue-se que nessa apuração, surgiram ainda elementos de convicção sobre envolvimento direto desses policiais com membros de facção criminosa, conhecida como Primeiro Comando da Capital“, afirmou ainda o corregedor-geral.
Como revelado pelo Metrópoles, o órgão fiscalizador chegou a comparar a conduta dos dez policiais à praticada pela maior facção o Brasil, que seria manter suas atividades criminosos, nas ruas, de dentro da cadeia.
O RDD, modelo prisional para o qual a Corregedoria gostaria de ter enviado os policiais civis, presos na unidade carcerária da capital paulista, é um velho conhecido da cúpula do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Neste modelo, o preso é submetido a um regime de cumprimento de pena mais rigoroso que o regime fechado — aplicado a detentos de alta periculosidade que, por isso, são mantidos em maior isolamento.
Celulares, grana e drogas
No RDD o acesso a celulares é praticamente impossível, diferentemente do que ocorre em unidades prisionais convencionais, às quais o Presídio Especial da Polícia Civil não se diferenciou, ao menos após a chegada dos dez policiais, entre setembro do ano passado e fevereiro, que são alvo do pedido de transferência.
Em 4 de fevereiro e 17 de março, foram encontrados, ao todo, 30 celulares na celas — ou ainda enterrados no pátio da unidade –, segundo documento da Corregedoria.
Também foram apreendidos milhares de reais, bebidas alcoólicas e até anabolizantes, além de cocaína e maconha.
Argumentos da Justiça
Em seu parecer, no qual negou a transferência dos policiais, o juiz Hélio Narvaez afirmou não ter encontrado “respaldo normativo” na argumentação da Corregedoria. O magistrado disse caber ao órgão fiscalizador “acolher policiais civis” presos e encaminhados ao presídio da instituição.
O juiz acrescentou não existirem meios de transferir os policiais presos para unidades da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) “em virtude de legislação”.
“Apesar das informações de que os internos oferecem alto risco para a segurança do estabelecimento prisional em destaque, bem como à coletividade, ao analisar o conjunto todo do conteúdo do presente expediente, não há, por ora, indicativo para justificar a medida de remoção dos representados, para o Regime Disciplinar Diferenciado, como instrumento eficaz de restabelecimento da ordem pública”, argumentou.
Mencionando a apreensão dos celulares, drogas e dinheiro, o magistrado disse ainda que os itens não poderiam ser relacionados aos policiais alvo do pedido de transferência. Ele ainda argumentou que “não houve comprovação” do envolvimento dos policiais com organização criminosa, ocupando “posto de coordenação de tarefas antissociais”.
O juiz, então, determinou que permanecessem na unidade, “por falta de amparo fático e legal”, os policiais civis: Cléber Rodrigues Gimenes, Thiago Gonçalves de Oliveira, Eduardo Lopes Monteiro, Fábio Baena Martin, Rogério de Almeida Felício, Marcelo Marques de Souza, Marcelo Roberto Ruggieri, Valdenir Paulo de Almeida, Valmir Pinheiro, Cyllas Salerno Elia Júnior e Fabrício Parise Branco.
A defesa dos policiais não foi localizada. O espaço segue aberto para manifestações.
“Células criminosas”
Levantamento da Corregedoria da Polícia Civil identificou três “células criminosas” composta por policiais apontados como supostos coordenadores de ações criminosas no Presídio Especial Polícia Civil.
A chegada dos dez membros da instituição, acima relacionados, entre setembro passado e fevereiro, mudou a rotina entre a população carcerária da unidade prisional, como revelou o Metrópoles.
Os dois primeiros policiais civis que desestabilizaram a rotina do presídio policial são: Valmir Pinheiro, conhecido como Bolsonaro, e Valdenir Paulo de Almeida, o Xixo. Ambos foram presos, em setembro passado, sob a suspeita de ligação com o PCC, do qual são acusados de receber propina para arquivar investigações sobre tráfico de drogas. Eles compõem um do núcleos elencados pelo órgão fiscalizador.
Os policiais foram indiciados por crimes contra a administração pública, usura, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Eles são acusados pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) de receber R$ 800 mil do narcotraficante João Carlos Camisa Nova Júnior para livrá-lo de uma investigação sobre envio de toneladas de cocaína para a Europa.
As investigações indicam que o pagamento de propina aos policiais era feito mensalmente por advogados do PCC, entre 2020 e junho de 2021. A propina resultou no arquivamento de apurações e na interrupção de um inquérito policial, realizado pelo Departamento de Narcóticos (Denarc).
O delator do PCC Vinícius Gritzbach, morto com 10 tiros de fuzil no Aeroporto de Guarulhos em 8 de novembro, teria informado a Bolsonaro e Xixo a localização de 15 casas cofre da facção, onde ficavam escondidos milhões de reais em espécie.
Extorsão de milhões
O outro núcleo detido no presídio da zona norte é composto pelo delegado Fábio Baena Martin, o investigador chefe Eduardo Lopes Monteiro, além dos investigadores Rogério de Almeida Felício, o Rogerinho, Marcelo Marques de Souza, Bombom, e Marcelo Roberto Ruggieri, o Xará.
Todos são investigados pelo suposto envolvimento no assassinato de Vinícius Gritzbach.
Os policiais respondem pelos crimes de organização criminosa, corrupção ativa e passiva, bem como ocultação de capitais, cujas penas somadas podem alcançar 30 anos de prisão.
Fintechs ligadas ao PCC
Além deles, em fevereiro, o policial civil Cyllas Salerno Elia Júnior também foi encaminhado ao presídio da Polícia Civil, após ser preso em uma operação do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e da Polícia Federal (PF).
A investigação mira a atuação das fintechs 2GO Bank — da qual o policial é fundador e CEO — e Invbank. Ambos se tornaram alvos da polícia a partir da delação de Vinicius Gritzbach.
Cyllas já havia sido preso em 26 de novembro do ano passado, durante a Operação Tai-Pan, da PF, contra crimes financeiros que movimentaram R$ 6 bilhões nos últimos cinco anos. O policial foi solto em janeiro após decisão da Justiça Federal, mas estava afastado das funções e responde a um procedimento na Corregedoria da Polícia Civil.
Drogas desviadas e revendidas
O terceiro núcleo, mencionado pela Corregedoria, é formado pelo investigador-chefe do 77º Distrito Policial (Santa Cecília), Cléber Rodrigues Gimenez, de 47 anos.
Como mostrado pelo Metrópoles, ele mantinha uma rede de subordinados — ligados ao crime — por meio da qual viabilizava a venda de drogas desviadas de apreensões feitas pela Polícia Civil na capital paulista.
Entre seus parceiros no esquema, preso também no presídio policial, está o investigador Thiago Gonçalves de Oliveira, 35.
As defesas dos acusados mencionados nesta reportagem não foram localizadas. O espaço segue aberto.
Fonte: Metrópoles/Foto: Arte/Metrópoles