‘Neo-pistolagem’: facções criminosas ocupam comunidades indígenas e quilombolas na Amazônia

Publicado em

Integrantes de facções criminosas estão dominando comunidades e territórios quilombolas e indígenas na região da Amazônia para se esconder, explorar a mão-de-obra local, evitar fiscalizações, praticar crimes ambientais e dominar a rota do tráfico internacional de drogas —um fenômeno que um integrante da Abin definiu como “neo-pistolagem”.

As informações foram apresentadas por pesquisadores e representantes da Agência Brasileira de Inteligência, Ministério dos Povos Indígenas, Ministério Público dos estados da região e Polícia Civil do Pará durante o 17º encontro anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, encerrado em Belém na quinta-feira (22).

Investigações e pesquisas apontam que a presença de criminosos ligados a facções criminosas está aumentando nos últimos anos na região —principalmente do Comando Vermelho e do Primeiro Comando da Capital (PCC), mas também de outros grupos associados e locais.

No Pará, por exemplo, dados da Polícia Civil local apontam que, atualmente, a maior parte do tráfico de drogas no estado é dominado pelo CV (com parte menor do território dominado pelo PCC e pelo Comando Classe A, uma facção local).

Um número dá a dimensão do tráfico local: em janeiro a junho de 2023, a polícia paraense apreendeu 2,05 toneladas de cocaína em rios, mares, igarapés, portos, marinas e atracadouros. A quantidade é muito superior aos 153,2 kg de cocaína apreendidos durante todo o ano de 2022. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup). A secretaria atua em apoio a operações federais —a investigação de crimes contra comunidades indígenas e quilombolas é de competência da Polícia Federal.

Os especialistas apontam que os principais crimes cometidos na região são os seguintes:

  • Extração ilegal de produtos florestais;
  • Mineração ilegal;
  • Caça e pesca ilegais;
  • Grilagem de terras;
  • Trafico de drogas;
  • Crimes contra as pessoas (ameaças e homicídios de lideranças locais).

Segundo os especialistas, os criminosos estão usando cada vez mais as comunidades tradicionais da Amazônia para expandir seus domínios e se esconder.

“O traficante usa a logística e o conhecimento dos locais para facilitar os crimes. Ainda mais em casos de crimes de extração e mineração, que tem uma capilaridade muito grande”, diz Paulo Teixeira, do Ministério dos Povos Indígenas.

Pedro Diogo, da Abin, também afirma que o interesse das facções em entrar e dominar cada vez mais as comunidades indígenas e quilombolas da região se dá por conta dos seguintes pontos:

  • Interesses nos recursos naturais da região (madeira, minérios, pasto para produção irregular de gado, áreas para plantação de maconha, pescado e animais silvestres);
  • Utilizar as comunidades como rotas alternativas de fiscalização;
  • Utilizar a mão-de-obra local;
  • Interesses no isolamento das comunidades para instalar estruturas ilícitas;
  • Interesses em explorar comunidades tradicionais como mercado consumidor de drogas.

“As facções acabam assumindo um papel de neo-pistolagem na região, um papel tradicional de criminalidade, mas em uma nova versão nesse novo cenário rural florestal”, diz Diogo.

Esquema do tráfico no Norte e Nordeste, segundo a Abin  — Foto: Clara Velasco/g1

Esquema do tráfico no Norte e Nordeste, segundo a Abin — Foto: Clara Velasco/g1

O que facilita a expansão do crime organizado no Norte e Nordeste do país são, segundo a Abin:

  • A dificuldade de monitorar o ambiente de fronteira;
  • precariedade das estruturas de segurança e de fiscalização;
  • expansão de produção da cocaína colombiana;
  • entrada de maconha colombiana de alto padrão no mercado brasileiro, como o Skank;

Os especialistas ainda apontam que a população mais jovem e forte destas comunidades acaba ficando mais vulnerável não só às ameaças e dominação dos criminosos, bem como ao vício.

Além disso, lideranças que negam o acesso das facções aos seus territórios também acabam sendo alvos de perseguições e ameaças.

Pesquisadores durante apresentação sobre crimes organizado na Amazônia — Foto: Clara Velasco/g1

Pesquisadores durante apresentação sobre crimes organizado na Amazônia — Foto: Clara Velasco/g1

Moradores vulneráveis

Segundo Aiala Couto, geógrafo e pesquisador da Universidade Federal do Pará, os moradores dessas comunidades estão cada vez mais vulneráveis no estado. Durante a sua apresentação no Fórum Brasileiro da Segurança Pública, ele mostrou depoimentos de quilombolas que evidenciam a situação a que estas pessoas ficam sujeitas diante do avanço das facções.

Na Comunidade Menino Jesus de Pitimandeua, em Inhangapí, nordeste do Pará, a rotina mudou, segundo o depoimento de um quilombola ao pesquisador:

“Eles entram no território, vendem drogas nas festas, usam drogas na beira do igarapé, entram armados dizendo que vão caçar e se escondem da polícia no quilombo”.

No território quilombola de Macapazinho, em Santa Isabel do Pará, um morador relatou que integrantes do Comando Vermelho usam o local para se esconder da polícia. [Eles] Acabam ficando, e gente fica com medo de denunciar e sofre represálias, sabe como é”, disse.

Já em Itabóca, também em Inganhapí, um quilombola afirmou ao pesquisador: “Já teve até morte por conta de disputas e os nossos jovens estão se perdendo”.

*g1 /  Foto: Agência Pará

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Compartilhe

Assine Grátis!

Popular

Relacionandos
Artigos

Maria Berklian, influencer do bordão “Tá barato”, morre aos 87 anos

Maria Berklian, influencer que ficou conhecida como “Rainha do Brasil”...

Homem é preso com 700 kg de cocaína escondidos em caminhão baú em Manaus

Um homem, de 51 anos, foi preso em flagrante...

Mensagens vazadas entregam suposto caso de Tirullipa com filha de ex-assessor

O humorista Tirullipa está agora no centro de uma polêmica daquelas: ele...

Lançamento da FIGA 2025 reforça candidatura de Manaus ao selo de Cidade Criativa da Gastronomia da Unesco

Evento marcou início da contagem regressiva para a maior...