O drama do paciente que espera há anos pelo transplante de cinco órgãos de um mesmo doador

Publicado em

Se a espera pela doação de um órgão já é difícil, imagina precisar de cinco? Essa é a história de Luiz Perillo, 35 anos, que está na fila do transplante multivisceral. Ele aguarda há três anos pela doação —em dois deles passou internado sem sair do hospital.

A minha vida não depende de mim, mas de um doador. Não tem o que eu possa fazer por mim mesmo a não ser esperar e me manter firme.

— Luiz Perillo, paciente que aguarda o transplante de cinco órgãos.

A equação que pode salvar a vida de Perillo é tão complexa quanto ganhar na loteria:

  • ✅ Ele precisa de estômago, pâncreas, fígado, intestino e rim;
  • ✅ Todos os órgãos precisam estar intactos;
  • ✅ Precisam ser do mesmo doador;
  • ✅ Enquanto aguarda, ele ainda precisa se manter saudável para o momento da cirurgia.

A equação ainda tem um adicional: o procedimento não faz parte do protocolo do SUS. Isso significa que não há investimento destinado para esse tipo de cirurgia, poucos hospitais fazem e, consequentemente, há poucas vagas. Isso torna a espera ainda mais longa. (Veja abaixo o que diz o Ministério da Saúde)

Luiz está na fila de espera há três anos, em dois deles passou morando integralmente em um hospital. Assim como ele, outras cinco pessoas precisam desse transplante no Brasil.

O país tem mais de 40 mil pessoas à espera de algum tipo de transplante.

Dois anos internado e a longa espera por cinco órgãos

A vida de Luiz mudou quando ele descobriu que tinha trombofilia, uma doença causada por alterações na coagulação do sangue que aumentam a formação de coágulos, gerando tromboses.

Ele passou por uma série de internações até que em 2018 a doença atingiu a veia porta, que recebe o sangue do sistema digestivo, e levou pouco a pouco os órgãos à falência.

Em 2021, ele tentava lutar para salvar o intestino, mas o órgão parou de responder pela falta de circulação, resultado de uma trombose. A perda fez com que ele tivesse desnutrição severa e chegasse aos 34 kg. (Veja a imagem acima)

Nessa época, ele precisou de ajuda para atividades simples, dependia de máquinas para sobreviver e passou exatos dois anos e quatro meses internado, sem poder sair do hospital, de setembro de 2021 a janeiro de 2024.

“Eu me via naquela situação e não sabia o que ia ser o dia seguinte, se o meu corpo ia resistir”, conta.

➡️ Neste ponto, ele precisava de um transplante multivisceral. No procedimento, os órgãos são retirados em bloco, de um único doador, e transplantados para o paciente em uma única cirurgia.

Luiz sobreviveu, mas teve sua rotina completamente alterada. Ele era de Brasília, onde trabalhava como arquiteto, jogava bola três vezes por semana e fazia planos para a carreira. Teve que se mudar para São Paulo, e hoje precisa de sessões de quatro horas de hemodiálise e três vezes por semana está em hospitais para consultas e procedimentos.

➡️ Não há expectativa de quando o transplante pode acontecer. A equação complicada de que depende para receber os órgãos ainda é somada a iniciativa das pessoas de serem doadoras, o que pode aumentar suas chances.

Durante o tempo internado, ele decidiu compartilhar nas redes sociais sua jornada, fazendo campanha para incentivar a doação de órgãos e o diálogo sobre a doação. Ele tem uma marca de roupas que incentiva a doação e tem parte da verba revertida para campanhas.

Uma pessoa pode salvar até oito vidas. E até egoísta que sabendo disso as pessoas não doem ou a família não permita a doação. É um legado que a pessoa deixa, a história dela contando outras histórias.

— Luiz Perillo, paciente que aguarda na fila pelo transplante multivisceral.

Transplante multivisceral não está nos protocolos do SUS

Esse tipo de transplante é o mais complexo que existe na medicina. É uma cirurgia longa, que envolve uma grande equipe e precisa de um centro cirúrgico equipado para o procedimento de horas que transfere, em uma mesma cirurgia, todos os órgãos para o paciente.

Ele é feito há mais de dez anos no Brasil. Apesar disso, não está no protocolo do SUS.

➡️ O primeiro foi feito em 2011 na rede privada e em 2014 houve o primeiro transplante multivisceral na rede pública, no Hospital das Clínicas da USP.

Desde então, pacientes, especialistas e entidades lutam pela incorporação no SUS. Hoje, o orçamento do ministério para transplantes não inclui esse tipo de cirurgia. Isso faz com que a espera de quem precisa seja ainda mais longa e difícil, já que ele não é feito nos hospitais que fazem transplante pelo país.

O médico Rafael Pinheiro, que participou do primeiro transplante multivisceral no país e é especialista no procedimento, explica que desde o primeiro, eles tentam a incorporação no SUS, mas o alto custo é um obstáculo.

Esse procedimento chega a custar dez vezes o preço de um transplante normal pela estrutura que precisa. É muito complexo, precisa de um centro preparado em tecnologia. Então, é um alto investimento com impacto em poucos pacientes, é o que a gente escuta. Mas o que reforçamos é o impacto que esse procedimento tem na vida do paciente. Uma pessoa já é muita gente.

— Rafael Pinheiro, médico especialista em transplante e que atuou no primeiro multivisceral na rede pública no país.

Hoje, quem precisa do multivisceral até consegue fazer pelo SUS, mas por parcerias de grupos de pesquisa e desenvolvimento de hospitais, como é o caso do Einsten e o da USP. Ou seja, é algo muito reduzido.

Seis pessoas, incluindo Perillo, precisam de um transplante multivisceral no país. Apenas um procedimento foi feito em todo o ano de 2024.

“Quem precisa desse transplante enfrenta a dificuldade da espera por um paciente compatível, com todos os órgãos intactos, a falta de centros de referência, de investimento. Olha como esses pacientes vivem, as políticas públicas não podem fechar os olhos para isso. São mais de dez anos esperando”, comenta o médico especialista em transplante multivisceral, Rafael Pinheiro.

A presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), Luciana Haddad, explica que reforça que sem a incorporação as vagas são muito limitadas e não há como expandir para atender mais pacientes.

Sem a incorporação, ele não tem o mesmo critério dos outros transplantes. Há poucas vagas, poucos centros que fazem esse procedimento. A gente espera por isso há algum tempo e temos expectativa de que o ministério consiga avançar com esse processo, que pode salvar vidas.

— Luciana Haddad, médica e presidente da ABTO.

Como doar órgãos?

No Brasil, a doação de órgãos depende da decisão da família. Por isso, é importante que, em vida, a pessoa converse com os familiares e esclareça a sua decisão.

Existem duas formas de se declarar doador: a carteira de identidade e a autorização eletrônica para doação de órgãos. As declarações incluem a pessoa no cadastro de doadores e, com isso, a equipe médica consegue saber que se trata de um doador e conversar com a família.

  • Carteira de identidade

No novo documento é possível se identificar, no verso, como doador órgãos após a morte. Para isso, é só informar na hora de fazer o novo documento.

🚨 ATENÇÃO: se você já se declarou doador em sua identidade antiga, ela ainda é válida até 2032. Quem não tem essa sinalização no documento antigo e quer ser doador, pode emitir uma nova carteira. (Saiba como fazer)

  • Autorização eletrônica para doação de órgãos

Desde abril deste ano, quem quer ser doador de órgãos pode manifestar e formalizar a sua vontade por meio de um documento oficial, feito digitalmente, reconhecido em cartório.

➡️ O processo é completamente digital, a partir site www.aedo.org.br . Basta acessar o formulário, preencher e enviar. Depois disso, o documento é enviado a um cartório que vai acionar o doador para confirmar os dados em uma chamada de vídeo. A declaração não tem custo.

O que diz o Ministério da Saúde

O Ministério da Saúde diz, em nota, que “o Transplante Multivisceral (TMV) é realizado no Brasil por meio de convênios e similares. Atualmente, seis estabelecimentos de saúde estão autorizados a realizar o procedimento, sendo que quatro deles atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e estão localizados nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul.

“Com relação à incorporação da tecnologia no SUS, a Secretaria-Executiva da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) recebeu a solicitação de avaliação, e o tema será pauta das próximas reuniões para discussão”, informa o ministério.

*G1/Foto: Arquivo pessoal

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Compartilhe

Assine Grátis!

spot_imgspot_img

Popular

Relacionandos
Artigos

Acidente com ônibus, carreta e carro deixa ao menos 22 mortos em Minas Gerais

Pelo menos 22 pessoas morreram em um acidente ocorrido...

Morro do Careca: por que a erosão acelerou e ameaça uma das dunas mais famosas do Nordeste

Principal cartão-postal de Natal e uma das dunas mais...

Cenas fortes: pivô sofre lesão grave e torcida passa mal na Euroliga

O Complexo Olímpico de Atenas viveu momentos de pânico...

Exército cancela e suspende contratos de R$ 236 mi suspeitos de fraude

O Comando do Exército cancelou e suspendeu contratos com empresas suspeitas...