Passa longe de ser o mal-estar só do corpo: os excessos do calor afetam desde o bolso da população, com contas mais caras, até a vegetação, que queima em incêndios à faísca. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) apontou que a causa é uma anomalia climática: uma massa de ar quente e seco – típicas de inverno e incomum para o auge do verão – tem inibido a formação de nuvens de chuva e favorecido o aquecimento da superfície terrestre, devido à maior incidência de radiação solar. Nos primeiros 15 dias de fevereiro, a cidade do Rio teve um consumo excedente de energia de 391 megawhats, o suficiente para atender a população do estado de Roraima, que tem uma demanda energética de cerca de 244 MW por dia.
— O posicionamento anômalo de uma área de alta pressão mais próxima do continente está impactando diretamente o Rio de Janeiro, desviando as possíveis frentes frias que tentam avançar rumo a Região Sudeste. Esse tipo de alta pressão anômala é mais comum durante o inverno, o que levanta a necessidade de estudos mais aprofundados para entender as causas desse comportamento atípico — explica Thiago Sousa, meteorologista do Inmet.
A situação atípica fica mais evidente quando se pensa nas chuvas de verão, sumidas do Rio, com registros abaixo do esperado para o período, que ainda tem influência do La Niña – responsável pelas chuvas e clima mais ameno. Mais fraco esse ano, o fenômeno não tem conseguido trazer ventos mais frescos da Região Amazônica, por causa “bloqueio” atmosférico quente, não só no Rio, mas em todo o Sudeste, impedindo a passagem de qualquer frente fria.
Contas mais caras
Com tanto calor, o impacto também chega nos boletos. O hábito de manter o ventilador ligado 24 horas por dia e, especialmente, o uso do ar-condicionado, aumentam e muito o consumo de energia elétrica. Além do consumo padrão, nos primeiros 15 dias de fevereiro, a cidade do Rio teve um consumo excedente de energia de 391 megawhats, o suficiente para atender a população do estado de Roraima, que tem uma demanda energética de cerca de 244 MW por dia.
Inevitavelmente, as contas de luz ficam mais caras: o percentual do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é um imposto estadual, sai de 18% e passa para 24% quando o consumo de energia supera 300kWh no mês. Vários clientes já receberam o aviso de que os boletos estão mais caros.
O aumento do consumo tem ainda o agravante do furto, que sobrecarrega o sistema, causando quedas de luz. Só em 2025, a Light, concessionária responsável pelo fornecimento de energia elétrica para 31 municípios do estado do Rio, trocou 1.150 transformadores em razão de furtos de energia elétrica. O prejuízo para a companhia é de cerca de R$ 40 milhões. Além de crime, a prática coloca em risco a vida da população, já que pode causar incêndios.
— Com o cenário de calor extremo em decorrência de mudanças climáticas, a rede fica ainda mais sobrecarregada e, em consequência disso, nossos transformadores, configurados para receber os nossos clientes, superaquecem e queimam, causando não apenas falta de luz como incêndios e acidentes — acrescenta Bruno.
Fogo em vegetação
O impacto chega também à vegetação, que sofre com o tempo seco. De anteontem para ontem, foram registrados 403 incêndios em áreas de vegetação no estado do Rio, tanto em Áreas de Preservação Ambiental (APA) quanto em áreas não protegidas. A Defesa Civil do Estado afirma que todas são causadas por ação humana. As principais infrações são soltura de balões e fogos de artifício, jogar guimbas de cigarro acesas, queimar lixo e construir fogueira.
— O ponto de ignição do mato é muito mais alto, então, a gente sabe que é por ação humana, direta ou indiretamente. Tudo isso somado à questão de dias muito quentes, com baixa umidade, falta de chuvas e ventos fortes de verão, torna os incêndios mais frequentes. Os ventos rapidamente transportam o fogo, que se propaga para outras áreas — afirma o major Fabio Contreiras.
— O incêndio florestal de agora é o deslizamento de amanhã. É importante ter a consciência de que esses incêndios vão causar diversos problemas para o meio ambiente. Com a perda da cobertura vegetal, o terreno fica mais suscetível e vulnerável a deslizamentos quando chove, por exemplo — afirma o major.
Estiagem e abastecimento
As mudanças também podem ser percebidas no ano hidrológico, o período de chuvas que se configura, geralmente, de outubro a março, segundo a gerente de Segurança Hídrica do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Fernanda Spitz.
— Os meses de outubro a março são bem característicos de ter chuva, pode atrasar ou adiantar um pouco, mas a gente percebe uma mudança. Janeiro teve chuva dentro da normalidade, mas o mês de fevereiro é mais chuvoso do que está sendo até agora, com temperaturas tão elevadas. Pode ser o fevereiro mais quente dos últimos dez anos, pelas análises que temos feito — analisa.
Na estação climatológica do Inmet no Forte de Copacabana, choveu 18,6mm até ontem, quase 80% a menos do total esperado para o mês, de 86,3mm de chuva. O índice é ainda menor do que o registrado em janeiro: eram esperados 137,5mm, mas choveu apenas 55,8mm, 40,5% a menos.
Segundo Fernanda, apesar da chuva abaixo da média, os reservatórios de água do Rio operam em níveis positivos e não há risco de desabastecimento.
— Os reservatórios do Paraíba do Sul estão em condições favoráveis, operam com capacidade acima de 74%. Em 2014, a gente teve a crise hídrica, que afetou bastante o nível dos reservatórios, mas estamos bem acima dessa curva. Conseguimos reservar água, e temos a expectativa de iniciar o período seco com condições favoráveis bem acima do nível de segurança hídrica — afirma a gerente do Inea.
A média histórica para fevereiro na cidade é de 33°C. Ontem, chegou a 38,4°C, segundo o Inmet. A última segunda-feira foi de temperaturas recorde no Rio. O Sistema Alerta Rio, com medições da prefeitura, registrou 44°C na estação de Guaratiba. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a mais alta do município no mesmo dia foi na estação de Marambaia, com 41,3°C. Niterói, na Região Metropolitana, chegou a 42°C segundo o órgão federal, alcançando a maior do país na segunda-feira.
Com tantas máximas, a cidade alcançou o Nível de Calor 4 (NC4), o segundo mais alto do Protocolo de Enfrentamento ao Calor Extremo do município, cuja escala vai até o NC5. A marca é inédita desde a criação pelo município do protocolo em junho do ano passado. O NC4 é atingido quando a cidade registra temperaturas entre 40 graus e 44 graus por, ao menos, três dias consecutivos.
Entre as ações previstas nessa situação, está a abertura pela prefeitura de 58 pontos de resfriamento, orientação à população para que adaptação das rotinas que demandam exposição ao calor extremo e ao sol e a possibilidade de cancelamento ou reagendamento de eventos de médio e grande porte e de megaeventos em áreas externas.
Fonte: O Globo/Foto: Reprodução / Defesa Civil