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‘Os jovens sabem que vão ter mais dificuldade do que seus pais’, diz o economista Paulo Tafner

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Diretor presidente do Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), o economista Paulo Tafner vê com pessimismo as perspectivas de ascensão para os jovens do país. Tafner acredita que a juventude não vai conseguir superar o estágio de bem-estar social e de renda de seus pais, diferentemente do que ocorreu com a geração anterior, apesar dos ganhos em acesso à educação do país nas últimas décadas. E alerta que isso contribui para a perda da coesão social no Brasil. “O jovem não vê a sociedade investindo nele e pensa: ‘eu estou sozinho, é comigo mesmo’”.

O IMDS vai lançar no próximo mês um painel com diversos indicadores de mobilidade social, com dados de renda e educação por cidades, para jogar luz sobre o tema. Tafner avalia que é preciso entender as raízes da baixa mobilidade social no país.

E vê como um erro histórico o Brasil investir mais em idosos do que em jovens. Pesquisador da Previdência Social e um dos autores do estudo que norteou a reforma de 2019, ele defende nova mudança nas regras com foco no financiamento do sistema.

O governo propôs a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, tributando rendas mais altas. Como o senhor avalia esta medida?

Está correto tributar quem ganha mais. Mas não acho que deva isentar quem ganha até R$ 5 mil. Quase 80% dos trabalhadores brasileiros ganham até R$ 5 mil. É duro isso, mas é a nossa realidade. Vai isentar uma parcela tão grande assim? Mesmo que se cobre alíquotas pequenas, de 1%, 2%, 3%, é importante que este sujeito participe de fato do esforço de financiamento do Estado. O problema no Brasil é que as alíquotas começam em patamares muito altos (7,5%, no caso do Imposto de Renda).

Como um estudioso de Previdência Social, como vê o futuro do sistema?

A faixa da população de 30 anos a 64 anos está crescendo um pouco, em 2038, começa a cair. É basicamente isso que financia o sistema. Agora vê a proporção de idosos. No futuro, cada 1,4 trabalhador (em idade ativa) vai ter um (idoso) para financiar, isso é impossível. Não tem como financiar. Ainda há 15 milhões de MEIs (microempreendedores individuais) que pagam R$ 80 por mês e vão receber um salário mínimo. Só que são 15 milhões. Não são 15 mil. Olha os plataformizados. Já são 1,490 milhão. Como é que financia?

E como ajustar isso?

Tem que mudar. Não pode ser só uma reforma paramétrica (que mexa em idade mínima, contribuições e valores dos benefícios). Se pegar o gasto federal, a Previdência ficou com R$ 965 bilhões, é mais do que Saúde, Educação, investimentos e Segurança somados. Você tem que fazer reforma primeiro para jogar essa curva (de despesas) um pouco mais para baixo, mas não dá para fazer muito, e aí subir a receita.

E como aumenta a receita?

Tem que absorver mais pessoas. Não no formato assalariado. Em vez de ser a base o assalariamento, tem que ser a renda. Porque o trabalhador não é assalariado, mas tem renda. Então, tem de cobrar da renda. Não é fácil, mas o que importa é a renda. Além disso, vai ter que reduzir o teto de benefício que é de quase R$ 8 mil.

O instituto tem se voltado para os temas de educação. Como torná-la mais efetiva?

Se você me perguntasse: tem algum lugar no Brasil que prepara bem as crianças? Já. Já encontrou. E você viu o Brasil inteiro seguir o exemplo? Não. A gente não segue bons exemplos. É uma doença da sociedade brasileira. O bom exemplo começou em Sobral (CE). A grande sacada de Sobral é perceber que, se você alfabetiza bem uma criança, ela tem mais chance de aprender os conteúdos seguintes. Se você não alfabetiza bem, a chance dessa criança aprender diminui muito. É nessa idade de 5 a 7 anos que acontece a explosão sináptica na cabecinha das crianças. É a hora que você tem que ensinar. Por isso que o programa lá no Ceará foi de alfabetização na idade certa. Você ensinar criança e aos 15 anos não é a mesma coisa. Não vai ter a mesma performance, o mesmo desempenho.

É a grande sacada da neurociência. A criança tem áreas no cérebro especializadas. Ele tem a área que é especializada na visão, outra que é audição, tem outra que é fala, mas duas atividades fundamentais não têm a área especializada no cérebro: ler e escrever. O cérebro tem que ser moldado para essas duas atividades. E usando o quê? O método fônico. Ele vai acionar no processo de aprendizado de leitura e depois de escrita, vai acionar várias partes do cérebro e vai começar a especializar um pedacinho, que é a capacidade de leitura. No Brasil foram incorporados, sobretudo nas faculdades de educação, o método construtivista ou global, que tem a ver um pouco com a história do Paulo Freire, que funciona quando você vai alfabetizar adulto, para criança não funciona.

Já há evidências disso no caso de Sobral, no Ceará?

O programa em Sobral começou em 2007 e ficaram três anos ajustando. De fato, o programa começou em 2010. O que você vê são manifestações indiretas. Em Olimpíadas de Matemática, o Ceará se destaca. O estado que mais fornece aluno para o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), um dos mais disputados do país, é o Ceará. Se ele entrou no ITA, ele vai ganhar bem, já está empregado. Em relação aos seus pais, ele vai dar um salto de vida fantástico.

O senhor costuma afirmar que é mais importante observar a mobilidade do que a desigualdade. Por quê?

Desigualdade para mim não é um grande problema. É quase um não problema. Eu olho para o mundo e vejo que as pessoas são desiguais, em tudo. A desigualdade de resultado não necessariamente tem a ver com desigualdade de oportunidades. A desigualdade que é decorrente de coisas que não derivam de oportunidades não tem nenhum mal. Nem todo mundo vai ser o Pelé. Os caras jogam, jogam, mas aparece um. É problema quando a desigualdade de resultados decorre de falhas de mercado, de compadrio. Aí é um problema.

A pessoa termina o ensino médio e não sabe fazer conta básica. Aumentou a escolaridade, mas a pessoa vem com um buraco de aprendizado, desde a alfabetização. Isso afeta negativamente a mobilidade social.

Ou de falta de oportunidade?

Sim, ou de desigualdade de oportunidades. E a gente vê todas essas três coisas no Brasil (falhas de mercado, compadrio e desigualdade de oportunidades). No caso da educação, você pode reduzir essa desigualdade de oportunidades. Eu não posso mudar a influência do pai, da mãe dele. Pode ser que o pai tenha uma empresa e ele já herde a empresa. Isso eu não posso mudar. Mas eu posso mudar a trajetória educacional dele. E como a educação é altamente correlacionada com a renda, se eu subo a educação dele, eu estou aumentando as chances de ele ter mais renda e, portanto, de sair da pobreza. E isso, para mim, é um grande problema: a pobreza. Você tem que atacar as origens da desigualdade. A educação é um veículo. Só que ele tem que ser efetivo. Se a educação não corrige, o Estado está traindo o seu papel.

E a conclusão da universidade, no Brasil, já garante a saída da pobreza?

Sim, qualquer que seja a faculdade. Pode ser nota 2, não importa. Ele sai da pobreza porque o mercado funciona com uma coisa que é a teoria do credenciamento. Para a maior parte dos empregos, onde se formou não é muito relevante. Independentemente de qual faculdade, você sai da pobreza.

O senhor tem chamado a atenção para um fato alarmante, de que a próxima geração no Brasil corre o risco talvez de não ter o mesmo nível de prosperidade que a anterior. Por quê?

Porque você teve uma geração muito numerosa que começou nos anos 1950, 1960, foi até 1970, que pegou a expansão do ensino. Eles melhoraram muito em relação aos pais. Eram pais migrantes, boa parte deles. Vieram para o Rio de Janeiro, para São Paulo como peão de obra, motorista de táxi, vigilante de prédio. E os filhos se formaram. São os que estão hoje na casa do 50 anos.

Por que os filhos deles têm menos chance de mobilidade social hoje?

Porque aí tem outro fator macroeconômico. Houve uma geração que pegou uma expansão da economia forte. E agora, por mais que você tenha maior acesso à educação, no Brasil tem uma combinação muito complicada. Você tem vaga para todo mundo, mas uma educação de pior qualidade com a média de escolaridade mais alta. O prêmio de escolaridade antes era muito alto. E esse prêmio está caindo no Brasil, porque mais gente está chegando no ensino médio, ainda que este prêmio seja um dos maiores do mundo. Para piorar, a pessoa termina o ensino médio e não sabe fazer conta básica. Aumentou o número de anos de exposição, mas a pessoa vem com um buraco de aprendizado, desde a alfabetização. Isso afeta negativamente a mobilidade social. Aumentar o número de anos melhora, mas melhora muito menos do que poderia se tivesse gente mais bem preparada.

Qual é o impacto para o imaginário de uma sociedade num país como o Brasil, muito desigual e com muita polarização, o jovem saber que a sua geração vai ter uma dificuldade de ascensão maior do que a dos seus pais?

Você tocou num ponto importantíssimo. É triste falar isso, mas não ando otimista com o Brasil. O Brasil resolveu dar muito mais para velho do que para jovem e criança. O gasto por idoso no Brasil é cinco vezes maior do que o gasto por criança ou jovem. Estamos investindo no passado e não no futuro. Óbvio que jovens e crianças não percebem dessa forma, eles não sabem isso. Mas eles percebem que não são prioridades. Os jovens sabem que vão ter muito mais dificuldades do que tiveram seus pais. Isso em tudo, inclusive na favela. A favela, no Brasil e no Rio, era um enorme espaço de mobilidade social. A pessoa vinha analfabeta e se instalava numa favela.

No caso do Rio de Janeiro, favelas muito próximas do local de emprego. Ele conseguia obter uma renda que não teria em nenhum lugar do estado. Conseguiu acumular, construiu sua casinha, coisa que o filho não vai conseguir. O espaço e o preço da favela não são o espaço e o preço que o pai dele teve no passado. É por isso você vê na favela o jovem totalmente desencantado. O jovem olha para frente e fala: “não vou conseguir o que meu pai conseguiu”. É percepção sensitiva. “Estou sozinho, é comigo mesmo. Não tenho rede social. Não vejo a sociedade investindo em mim”. Qual é perspectiva de coesão social para esse jovem? Nenhuma. Em uma sociedade em que você tem baixa coesão, a possibilidade de desintegração é enorme, de conflito é enorme. O que une um país são valores, crenças, perspectivas.

Fonte: O Globo/Foto: Guito Moreto

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