Um evento em São Paulo na quarta-feira (26/4) oficializou a inclusão da palavra “Pelé” no dicionário Michaelis.
A definição de “Pelé” — um adjetivo que pode ser masculino ou feminino — é descrita pelo dicionário como “que ou aquele que é fora do comum, que ou quem em virtude de sua qualidade, valor ou superioridade não pode ser igualado a nada ou a ninguém, assim como Pelé, apelido de Edson Arantes do Nascimento (1940-2022), considerado o maior atleta de todos os tempos”.
Os exemplos dados são: “Ele é o Pelé do basquete, ela é a Pelé do tênis, ela é a Pelé da dramaturgia brasileira, ele é o Pelé da medicina”. Os sinônimos do adjetivo, segundo o Michaelis, são “excepcional, incomparável e único”.
A transformação do apelido do rei do futebol em adjetivo — que já era de uso corrente entre muitas pessoas mesmo antes da oficialização no evento desta semana — é parte de uma campanha promovida pela Fundação Pelé, que contou com apoio de uma emissora de televisão, do Santos Futebol Clube e da editora que edita o dicionário, além de empresas de propaganda e mídia.
Os organizadores da campanha criaram até mesmo um site — pelenodicionario.com.br — para promover a ideia.
Mas Pelé não é o único nome próprio a inspirar um verbete no dicionário. Dicionários no mundo todo estão constantemente sendo atualizados para refletir as evoluções naturais da língua corrente.
Algumas palavras de amplo uso na língua portuguesa hoje também tiveram suas origens em pessoas:
- boicote: Charles Cunningham Boycott (1832-1897) foi um militar inglês que administrava terras de um aristocrata na Irlanda. Conhecido por sua rigidez, ele entrou em conflito com os trabalhadores rurais para quem as terras eram arrendadas. Durante o conflito, um sindicato recomendou que os trabalhadores isolassem Boycott da comunidade, com campanhas para que estabelecimentos se recusassem a atendê-lo. A polêmica prática foi manchete em diversos jornais britânicos da época e deu origem ao termo “boycott”. Em português, a palavra “boicote” é amplamente usada e significa “recusa coletiva de trabalho para determinada indústria ou estabelecimento comercial, ou inibição de transações com eles”.
- silhueta: a palavra — que significa “desenho que representa o perfil de uma pessoa ou objeto, de acordo com os contornos que a sua sombra projeta” — também tem suas origens em uma pessoa. Étienne de Silhouette (1709-1767) foi um político francês, responsável pelas finanças do rei Louis 15. Ele ficou conhecido por promover austeridade excessiva das finanças, e durante sua vida o termo francês “à la Silhouette” virou sinônimo de coisa barata ou austera. Nesta mesma época, surgiu na França a prática artística de se retratar pessoas apenas desenhando e recortando em papel escuro o contorno de seus perfis. A prática era considerada uma alternativa barata a ter um retrato pintado por outro artista. Essa fama de arte mais barata ganhou o nome de “silhuette”, que acabou se popularizando em diversas outras línguas, inclusive em português (“silhueta”).
- cardigã: o ” casaco ou suéter tricotado, com decote redondo ou em V, que se abotoa à frente do tórax”, segundo o dicionário Houaiss, tem sua origem em James Brudenell (1797-1868), conde de Cardigan, um título de nobreza inglês. Brundenell foi comandante britânico na Guerra da Crimeia, nos anos 1850. O “cardigan” (ou “cardigã”, em português) seria inspirado nos casacos usados pelos militares britânicos naquela guerra. O casaco popularizou-se no século 20.
- sanduíche: a prática de se comer diferentes alimentos entre duas fatias de pão existe em muitas culturas ao longo da história. A palavra inglesa “sandwich” tem sua origem em John Montagu (1718-1792), o conde de Sandwich, uma cidade em Kent, no sudeste da Inglaterra. Montagu era conhecido por jogar cartas por muito tempo. Para que as partidas não fossem interrompidas nem mesmo para refeições, ele pedia a seus mordomos que colocassem um pedaço de carne salgada entre duas fatias de pão. Assim ele podia continuar comendo enquanto jogava e não sujava suas mãos — ou as cartas — com a gordura da carne.
- saxofone: o instrumento imortalizado no Brasil por Pixinguinha foi criado pelo belga Alphonse Sax (1814-1894), que também inventou a saxotromba, a saxotrompa e a saxotuba.
Outros nomes próprios
Alguns nomes próprios também figuram no dicionário — como “jesus” (“expressão de espanto”), “maria” (“denominação de pessoa comum indeterminada”), “judas” (sinônimo de “traidor”), “ícaro” (“pessoa com pretensões e ambições altas”) e “amélia” (“mulher amorosa, passiva e serviçal”).
Outros nomes próprios que costumam virar verbetes no dicionário são os de escritores e personagens clássicos — que se tornam adjetivos que remetem à obra original.
Confira abaixo a definição do dicionário Houaiss para alguns adjetivos que foram derivados dessas pessoas:
- quixotesco: “que é generosamente impulsivo, sonhador, romântico, nobre, mas um pouco desligado da realidade” — do personagem Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (1547-1616).
- dantesco: “de grande horror; diabólico, medonho, pavoroso” — referente a Dante Alighieri (1265-1321).
- homérico: “grandioso, enorme, extraordinário” — referente a Homero (século 8 aC).
- kafkiano: “que evoca uma atmosfera de pesadelo, de absurdo, especialmente em um contexto burocrático que escapa a qualquer lógica ou racionalidade” — relativo a Franz Kafka (1883-1924).
- maquiavélico: “que se caracteriza pela astúcia, duplicidade, má-fé” — relativo a Niccolo Machiavelli (1469-1527).
- platônico: “que ou aquele que é alheio a interesses ou gozos materiais” — referente a Platão (século 5 aC).
No exterior, um caso de um personagem bem menos clássico chamou a atenção nos últimos anos.
Em 2015, o tradicional dicionário inglês Oxford incluiu o verbo MacGyver, referente ao personagem da série de ação na TV americana dos anos 80, que era conhecido por sua engenhosidade.
MacGyver, segundo o dicionário, é “fazer ou consertar algo de maneira improvisada ou inventiva, fazendo uso de quaisquer itens que estejam disponíveis”.
‘Joões’
No mundo do futebol, Pelé talvez seja o único atleta que tenha eternizado seu nome em um verbete. Um colega seu da seleção brasileira campeã do mundo em 1958 não conseguiu colocar seu nome nos dicionários — mas emplacou um termo que acabou virando verbete.
Manuel Francisco dos Santos (1933-1983), o Garrincha, provocava os adversários a quem humilhava em campo, chamando a todos de “João”. O termo “João” (“Joões”, no plural) entrou para o Aurélio e outros dicionários com a definição: “jogador que é driblado facilmente”.
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