Políticos são ‘entidades’ e dificultam compreensão da política, diz sociólogo

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Dos oito pré-candidatos a prefeito de Manaus, apenas dois se apresentam com perfil de esquerda: Marcelo Ramos (PT) e Natalia Demes (Psol). Os outros seis são de partidos de direita. David Almeida (Avante), Amom Mandel (Cidadania), Roberto Cidade (União Brasil), Wilker Barreto (Mobiliza), Maria do Carmo Sefair (Novo), Capitão Alberto Neto (PL) formam esse grupo.

O perfil ideológico é desconsiderado pelo eleitor quando escolhe um candidato. Contribuem para essa falta de percepção o personalismo da política brasileira e o discurso de desconstrução dos adversários.

Para o sociólogo Marcelo Seráfico, uma questão é essencial para entender essa falta de percepção ideológica: por que o eleitor não se identifica mais com partidos políticos, embora os partidos representem diferentes ideologias e estas constam no estatuto partidário?

Segundo o sociólogo, no processo político-eleitoral os partidos foram “despidos” ou “afastados” das suas bases que davam identidade política e cultivaram o “personalismo”. “Como um partido brasileiro pode representar uma parte da sociedade que não se vê identificada com ele?”, questiona Seráfico.

O problema reside, diz o sociólogo, na ‘irrepresentatividade’. “Os partidos políticos não representam mais aquilo para o qual foram criados”.

Busca por votos

Características como a elegância, a simpatia, o encanto, a sociabilidade, a sedução do candidato servem como degraus para subir na carreira política. “Não existe candidato sem partido. Portanto, é por meio dos partidos que os candidatos chegam a várias regiões. E o surgimento das redes sociais multiplicou a personalidade narcísica dessas pessoas, como forma de conquistar público, audiência, seguidores e eleitores”, diz Seráfico. Ele cita exemplos de programas televisivos apresentados por candidatos que fazem ao mesmo tempo o papel de influenciadores, de mídias digitais.

Para Seráfico, os políticos são pessoas que “se transformam em uma entidade” e usam a linguagem do marketing para dificultar a verdadeira compreensão do que está em jogo no processo político. “Isso empobrece o debate público e são criados ambientes de confusão, beneficiando o jogo do ‘certo ou errado’, do ‘bem e do mal’, do ‘sim e do não’”.

Defesa do privado

Marcelo Seráfico cita o surgimento de um novo movimento para chamar a atenção dos leitores e que condiciona o voto de cada cidadão. “A junção sectária, apoiada em falsos moralismos e em princípios privados, avançou no Brasil devido ao bolsonarismo. Então, você tem diversas formas de orientação política em ambientes considerados religiosos, onde não há consenso que assegure o direito de organização, de manifestação, de opinião. Portanto, é um projeto de destruição do processo, apelando para a violência”, afirma.

Símbolos privatizados

Outro exemplo de uso distorcido pela política são os símbolos nacionais. A bandeira, as armas, o selo e o hino representam o país em cerimônias, eventos, documentos públicos e missões oficiais e são protegidos por lei (Lei nº 5.700, de 1º de setembro de 1971). Mas estes símbolos são usados como marketing para atrair o eleitor.

“O uso dos símbolos nacionais virou uma estratégia bem-sucedida de marketing político. E o que houve foi uma privatização desses símbolos. Não se trata de uma privatização individual, mas de um grupo que defende uma determinada ideia e decidiu dizer que quem não está de acordo com essa ideia não tem direito aos símbolos que são de todos. Isso é uma atitude autoritária e ridícula”, afirma Seráfico.

O professor também vê uma “dimensão psicanalítica” no processo político que ignora a contradição. “No cenário político tudo vale, tudo é aceito, tudo é compreendido. Na verdade, é a instalação do caos, mas um caos organizado. São ações que ganham força na ignorância de eleitores e as pessoas não veem problemas, não veem as contradições”.

Militarismo

Seráfico também analisa a entrada de militares na política. Para o doutor em sociologia, a violência acentuada no Brasil criou o ambiente propício para candidaturas de ex-militares e ex-policiais. “A violência é tratada, predominantemente, como um problema do crime. Portanto, existe uma criminalização da sociedade. E essa criminalização vai orientar os programas de rádio, de TV… Não queremos perceber o contexto em que ela surge e se está relacionada com outros assuntos sociais. Isso envolve um projeto de sociedade e não de política de segurança”, diz o sociólogo.

Para o professor, no momento atual predomina o pensamento da República Velha, também conhecida como Primeira República, de 1889 a 1930, caracterizado pelo coronelismo. “Tratar o problema social como um problema de polícia é um tipo de interpretação perigosa para a sociedade porque boa parte da sociedade passa a ser educada em um ambiente de violência e você acaba entrando em uma espécie de pedagogia da violência que elege o capitão, o general, o policial para solucionar os problemas”.

Exceções

Mas a política não é execrável, totalmente. Segundo Seráfico, há políticos que sabem quais são os interesses da população e os conflitos que surgem desses interesses. “Eles fazem escolhas de que lado estão. Isso é um aspecto da sobrevivência política”.

Seráfico acredita que para entrar na administração pública o candidato tem que se preparar de alguma forma. Ele não se refere a uma preparação acadêmica, mas “uma preparação que vem dos processos políticos como movimentos sociais, sindicatos que nos ajudam a criar uma conscientização política”.

Cabe ao eleitor buscar informação confiável sobre propostas de políticas públicas, pesquisar sobre o histórico do candidato e separar o joio do trigo na hora de definir o voto.

Fonte: Amazonas Atual/Foto: TSE/Divulgação

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