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Preços absurdos e qualidade em declínio: o luxo está à beira de um colapso

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A temporada de compras natalinas chegou ao fim. E sabe o que eu, editora de moda há muitos anos, não comprei para meus entes queridos este ano? Moda de luxo de grandes marcas. Prefiro qualquer coisa a isso.

Você pode estar se perguntando: por que eu trairia a indústria à qual dediquei a maior parte dos últimos 20 anos da minha vida? Deixe que eu conte uma história: quando Marc Jacobs relançou a versão mais sofisticada de suas botas Kiki para a temporada de outono de 2023 – modelo cobiçado de couro macio que me encantou desde sua estreia, em 2016 –, dei um jeito de incluí-las no meu orçamento. Eu tinha vivido meses tumultuados e pensei em me dar um presente que guardaria para sempre. Uma coisa duradoura.

Não foi bem assim. A ponta do salto direito caiu depois de poucos usos, revelando uma estrutura plástica frágil. Mandei consertar, mas, dias depois, a base da plataforma de dez centímetros quebrou como um galho podre. Caí! Dois transeuntes me levantaram e voltei para casa mancando, descalça. Em fevereiro, exigi o reembolso, que investi imediatamente na fisioterapia de que tanto precisava.

Minha experiência resume tudo que está errado com o que antes era o símbolo de vida boa. Nos últimos anos, o luxo de todos os tipos se tornou obscenamente, vergonhosamente, inconcebivelmente caro. O aumento de preços que observamos é muito mais do que a inflação justificaria. E o pior: os custos sobem e a qualidade não os acompanha. Na verdade, em grande parte, caiu. “O luxo está um caos”, resumiu Gill Linton, especialista em moda e marketing e cofundadora da Byronesque, plataforma de luxo vintage.

Eu iria além: o luxo está à beira de um colapso. Depois de uma década de crescimento quase ilimitado, o setor está em declínio no mundo inteiro. Analistas apontam que os consumidores menos abastados estão reduzindo seus gastos e que a procura por esses produtos na China está desacelerando. Mas acredito que há outro culpado: a crescente percepção de que muitas lojas de luxo quebraram os princípios que as tornaram tão bem-sucedidas. Essas marcas esnobes, que diluíram sua essência e destruíram seu apelo com colaborações banais com celebridades, licenciamento e publicidade com influenciadores, não têm ninguém a culpar além de si mesmas.

Isso começou na fonte de tantos males modernos: as redes sociais. Para quem não está vidrado no TikTok ou em “The Kardashians”, as redes sociais, impulsionadas por programas de reality show, fomentaram uma competição frenética entre os principais criadores de conteúdo para aparentar riqueza superando a si mesmos e seus concorrentes. Isso significa ostentar artigos de luxo em publicações que, em seguida, são amplamente divulgadas por algoritmos. Kyle Richards, integrante do elenco de “The Real Housewives of Beverly Hills”, ficou famosa por ir à academia com uma bolsa Birkin da Hermès – que custa de dezenas a centenas de milhares de euros – pendurada no braço.

Ao mesmo tempo, os ricos ficaram ainda mais ricos, e mais gente se juntou a eles. Segundo o banco suíço UBS, em 2000 havia 7,64 milhões de milionários nos Estados Unidos. Em 2023, esse número quase triplicou.

Para quem não pertence confortavelmente à classe milionária, a tecnologia oferece uma solução. A popularidade crescente de aplicativos de financiamento como o Klarna e o Afterpay – serviços de empréstimo on-line que permitem aos usuários parcelar os pagamentos – abriu uma nova era de “compre agora, pague depois”. É uma forma de parcelamento sem estigmas para quase qualquer item. Ninguém precisa saber, e você recebe o produto de imediato.

De repente, as marcas acostumadas a atender um público seleto se viram cercadas por uma enxurrada de clientes menos exigentes – alguns literalmente crianças – que queriam impulsionar o status de seu perfil nas redes sociais. Enquanto isso, as plataformas continuam fomentando ansiedades de classe e oferecendo uma quantidade aparentemente ilimitada de dados sobre o que desejar em seguida. Diante de multidões, as empresas tentaram preservar sua imagem da única maneira que podiam: aumentando os preços. Ao fazer isso, seguiram o princípio antigo dos “bens de Veblen”. Derivado da “Teoria da Classe Ociosa”, do economista Thorstein Veblen, escrita em 1899, esse princípio afirma que a procura por bens de luxo cresce à medida que seus preços sobem, porque esses aumentos reduzem a multidão e tornam os bens escassos muito mais desejáveis.

Quais preços dispararam? Seria melhor perguntar quais não. De outubro de 2019 a abril de 2024, o custo da bolsa popular Galleria em couro Saffiano, da Prada, aumentou 111%. No mesmo período, o preço da bolsa Speedy de lona da Louis Vuitton dobrou, e a pequena bolsa Marmont em matelassê da Gucci subiu 75%. A Chanel é a mais notória: sua icônica bolsa média 2,55, de couro com aba, custava US$ 5.800 em 2019 e agora está US$ 10.800, e é alvo de um número crescente de queixas sobre sua qualidade.

E quanto àquele cenário exótico perfeito para exibir seus bens novos? Uma noite em um hotel comum por US$ 1.000, antes impensável, agora é surpreendentemente comum. A diária no cobiçado resort Amangiri, em Utah, custava cerca de US$ 1.800 em 2018. Agora, começa em US$ 3.509. Jaclyn Sienna India, fundadora de uma empresa de viagens e estilo de vida para indivíduos e famílias com patrimônio líquido mínimo de US$ 100 milhões, observa que o menu preço fixo no restaurante exclusivo Sublimotion, em Ibiza, era de aproximadamente US$ 1.675 por pessoa em 2022, e que hoje o valor é de US$ 2.380.

De acordo com o princípio dos bens de Veblen, os consumidores deveriam interpretar os preços mais altos das marcas de luxo como um sinal de que os bens são preciosos e difíceis de conseguir. O problema é que eles não são nem uma coisa nem outra.

O luxo se tornou quase onipresente. Se você abrir o Instagram, todo mundo tem uma bolsa Speedy da Louis Vuitton, uma Boy Bag da Chanel ou qualquer outra bolsa de uma marca de luxo reconhecida instantaneamente cujo preço está na casa dos quatro dígitos. Parte disso se deve ao aumento da revenda (pessoas que se desfazem de seus artigos de luxo usados, geralmente com grandes descontos) ou das imitações (cópias semelhantes vendidas por muito menos). Há também um número crescente de produtos “superfakes”, falsificações extremamente convincentes que oferecem qualidade semelhante por uma fração do custo.

Além disso, alguns fornecedores de artigos de luxo também começaram a expandir suas categorias de produtos e vender o excedente em outlets com desconto. As butiques que antes eram salões decadentes, com roupas feitas sob medida para clientes que bebiam champanhe, agora são destinos turísticos para os ricos e a classe média-alta, comercializando carteiras e chaveiros que, apesar dos preços cômicos, estão entre as opções mais baratas. Estamos a poucos minutos de ver uma loja de descontos repleta de Chanel e Gucci em um shopping de nível médio perto de você.

Isso funcionou durante algum tempo. Depois da pandemia, os novos milionários estavam ansiosos para gastar e ostentar. “Marcas como a Chanel e a Vuitton aumentaram os preços para que as pessoas ‘erradas’ parassem de comprar. Mas parte da pressão no mercado vem do fato de que você precisa ser genuinamente melhor. E, se não for, vai sofrer as consequências”, disse Erez Yoeli, cientista pesquisador da Escola de Administração Sloan do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

Mas não eram melhores. India, a fundadora da empresa de viagens e estilo de vida, descobriu que o serviço em muitos hotéis de primeira linha despencou durante a pandemia, em parte em decorrência da escassez de funcionários, e ainda não se recuperou. E o que dizer das bolsas de US$ 10 mil? Taleen Akopyan, que trabalha com o marido como sapateira e especialista em restauração de couro há mais de quatro décadas, afirmou que em seu negócio, que consistia em consertar bolsas de 50 anos que ainda estavam em boas condições, passou a lidar com modelos novos da Chanel, da Louis Vuitton e da Gucci que já precisam de reparos depois de alguns usos. “Definitivamente, há uma deterioração da qualidade em todos os aspectos”, ela confirmou.

Isso tinha de acabar. Por muitos critérios, o mercado de luxo está em queda livre. A LVMH e a Kering, donas de marcas como a Gucci, a Balenciaga e a Yves Saint Laurent, registraram perdas este ano. Houve o mesmo com a Burberry, a Richemont, proprietária da Alaïa, da Cartier e da Chloé, e a Capri Holdings, controladora da Michael Kors, da Versace e da Jimmy Choo. Um estudo de outono da Bain, companhia de consultoria de gestão, previu que 2024 será o primeiro ano de desaceleração do setor de luxo desde a crise financeira de 2008 (sem contar a pandemia). É certo que o setor costuma ser um dos primeiros a sentir os efeitos de uma economia em desaceleração. Mas muitas das causas dos problemas atuais foram criadas pelas próprias empresas.

Algumas marcas estão reagindo com preços mais baixos, o que pode transformar uma grife em uma linha de produtos vendidos por outlets e desejados por praticamente ninguém. Os investidores não deveriam ter elogiado Joshua Schulman, novo CEO da Burberry, quando ele anunciou em novembro que, entre outras medidas, a marca reduziria os preços de suas bolsas.

Talvez o sinal mais claro do problema seja o fato de que os produtos de luxo estão terminando nas prateleiras de outlets. Desfazer-se do excesso de mercadorias em lugares pouco glamorosos pode ser tão prejudicial para a percepção de uma marca que algumas empresas costumavam, literalmente, queimar o estoque excedente para evitar esse destino. Ainda assim, segundo a Bain, no fim de 2023, cerca de 13% de todos os itens de luxo foram comprados exatamente nesses pontos, em comparação com 5% há uma década.

Algumas marcas tentam resistir. Em entrevista concedida em julho, Jean-Jacques Guiony, diretor financeiro da LVMH, sugeriu que os aumentos de preços não “vão parar só porque os consumidores aspiracionais estão um pouco pressionados”. Um fato curioso: as vendas das seções de moda e artigos de couro da LVMH caíram 5% no terceiro trimestre de 2024. Portanto, talvez o problema não seja só a pressão, mas também os produtos de qualidade inferior e a preços exorbitantes, como as bolsas Christian Dior de US$ 2.816 que foram descobertas sendo fabricadas em um ateliê italiano exploratório por cerca de US$ 57.

O que houve com esses bastiões de artesanato e glamour, que já foram tão prestigiados? O fundador homônimo da Louis Vuitton nasceu em uma família de artesãos em 1821 e dedicou sua vida a estudar e aperfeiçoar a fabricação de baús. A Chanel foi fundada por Coco Chanel no início do século XX e criou com maestria artigos esportivos para mulheres, libertando-as dos espartilhos. Christian Dior inventou o “New Look” em 1947, silhueta hiperbólica e feminina de design impecável, que trouxe de volta o glamour da Belle Époque depois da austeridade da Segunda Guerra Mundial.

Essas marcas e outras semelhantes mantiveram as tradições e as regras de seus fundadores por muito tempo – até que pararam. Quando os resultados em curto prazo se tornam mais importantes do que a história e o legado, atalhos são tomados, a essência se perde e o produto vira lixo em uma caixa elegante. Uma exceção é a Hermès, que aumentou o custo da bolsa Birkin 30 de couro togo só em 15% de 2019 a 2024, passando de US$ 10.900 para US$ 12.500. Mas muitos afirmam que é necessário gastar uma quantia considerável em outros itens da marca para “ganhar” o privilégio de comprar uma.

Como minhas tristes botas Kiki, a maior parte do luxo de antigamente – aquele que era tão glamoroso, exuberante e requintado que todos entendiam, muitos desejavam e poucos podiam ter – já não tem conserto. Os estabelecimentos que antes eram venerados e se orgulhavam de sua artesania, de seu serviço e do cultivo de uma clientela exigente e leal se tornaram máquinas de marketing em massa, tão elegantes e exclusivas quanto a loja da M&M’s na Times Square.

Atualmente, a gratificação instantânea, os lucros e as aparências são mais desejáveis do que substância, profundidade ou valor intrínseco. E, embora o declínio do “luxo” possa não parecer o fim do mundo (sobretudo com tantos eventos atuais que se assemelham a um apocalipse), sua queda reflete uma decadência mais profunda que está corroendo a maior parte de nossa existência: a educação, a mídia e a literatura, e até os relacionamentos interpessoais e a qualidade de vida.

Mas vamos voltar às compras. Agora é o momento perfeito para procurar artesãos e designers qualificados e independentes, que não estejam comprometidos com metas de produção e com a política dos conglomerados de luxo. Se uma coisa é claramente horrível e absurdamente cara, não compre. Não ostente no Instagram. Diga ao vendedor que você sabe que aquilo é “medíocre”. Certamente, nunca mais colocarei os pés em uma plataforma de Marc Jacobs. Um cóccix machucado já foi sofrimento suficiente. Vou ter prazer em lhe contar tudo sobre isso.

(Katharine K. Zarrella é editora de moda, crítica e palestrante veterana.)

c. 2024 The New York Times Company

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