Prefeitura descumpre determinação da Justiça e não faz aborto acima de 22 semanas de gestação em hospitais de SP

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Desde que o aborto legal foi suspenso no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, até então referência no procedimento acima de 22 semanas de gestação na cidade de São Paulo, a Prefeitura foi obrigada, pela Justiça, a oferecer o procedimento em outros hospitais.

O serviço foi suspenso pela prefeitura em dezembro de 2023, sob a justificativa de aumentar a capacidade para a realização de cirurgias no local. A Justiça determinou que o serviço voltasse a ser oferecido três vezes, mas a Prefeitura recorreu de todas as decisões e manteve a suspensão.

Agora, a administração municipal diz que o aborto legal é feito em quatro hospitais da cidade: Hospital Municipal Dr. Cármino Caricchio (Tatuapé); Hospital Municipal Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha (Campo Limpo); Hospital Municipal Tide Setúbal e Hospital Municipal e Maternidade Prof. Mário Degni (Jardim Sarah).

Mas apuração da GloboNews mostra que ao menos duas mulheres tiveram o aborto legal negado nesses hospitais.

Uma mulher, vítima de violência sexual, primeiramente procurou o Cachoeirinha para fazer o procedimento previsto em lei. Mas lá, ela foi encaminhada para o Hospital Municipal Dr. Cármino Caricchio, no Tatuapé, onde foi comunicada que não havia equipe para realizar o procedimento. Com isso, foi encaminhada para o Hospital da Mulher, antigo Pérola Byington, no Centro de São Paulo, do governo do estado, onde novamente teve o procedimento negado. A justificativa foi a de que o hospital só faz o aborto legal com gestações de até 20 semanas. No dia 8 de maio, quando a paciente foi atendida, ela estava com 21 semanas e 3 dias de gestação.

Em outro encaminhamento, ela foi enviada para o Hospital do Campo Limpo, onde no dia 13 de maio disseram que ela, “provavelmente”, teria o procedimento negado. Antes de ir para a consulta, no dia da 14, a paciente procurou a Defensoria Pública para pedir orientação, que a informou que apesar da resolução do Conselho Federal de Medicina, que impedia o procedimento com assistolia fetal, ela poderia fazê-lo, o que foi negado justamente com base na resolução. No dia da última negativa, ela estava com mais de 22 semanas de gestação.

Abalada, ela então decidiu voltar para o interior de São Paulo e informou que entraria em contato com a Defensoria, que ofereceu a possibilidade de judicialização do caso, mas ela não retornou. No dia 17 de maio, com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubou a resolução do CFM, a Defensoria procurou a paciente, mas não obteve retorno. Não se sabe se ela conseguiu fazer o aborto.

Em entrevista à GloboNews, Raphael Câmara, conselheiro do CFM, e relator da resolução, afirmou que “a assistolia fetal é um procedimento cruel e desumano, que tortura. Estamos falando de bebês acima de 22 semanas, já tem todo o circuito neurológico da dor formado.”

A outra paciente, também com cerca de 20 semanas de gestação, teve o aborto negado em três hospitais: Hospital da Mulher, Campo Limpo e Tide Setúbal. Só conseguiu fazer o procedimento em outro estado.

O Ministério das Mulheres, por meio de sua Ouvidoria das Mulheres, afirmou à GloboNews “que tem acompanhado com preocupação as notícias veiculadas na imprensa sobre o fechamento do serviço de aborto legal do Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, assim como a exigência de ‘ouvir os batimentos cardíacos do feto’ – um procedimento inconstitucional e desumano que revitimiza a mulher vítima de estupro, portanto, uma violência institucional.

Segundo a ONG Vivas, hoje, no Brasil, só três cidades fazem aborto legal após 22 semanas sem ordem judicial: Uberlândia, Recife e Salvador. Desde o fechamento do Cachoeirinha, esses três locais atenderam 20 mulheres de outros estados.

Se considerado o aborto legal como um todo, sem restrição de semanas, só 108 cidades do país, ou 1,94% dos municípios, fazem o serviço.

A Secretaria Municipal da Saúde (SMS), da Prefeitura de São Paulo, diz que atende às demandas de procedimentos com determinação legal em observância à legislação.

“A SMS reforça seu compromisso com o acolhimento da população sem discriminação e com responsabilidade humanitária.”

“A SMS pontua ainda que o Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha segue em pleno funcionamento, realizando outros serviços voltados à saúde da mulher. Atualmente, em São Paulo, o programa segue disponível em quatro hospitais municipais da capital. São eles: Hospital Municipal Dr. Cármino Caricchio (Tatuapé); Hospital Municipal Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha (Campo Limpo); Hospital Municipal Tide Setúbal e Hospital Municipal e Maternidade Prof. Mário Degni (Jardim Sarah)”.

A Secretaria da Saúde do Estado também diz que segue todas as previsões legais para interrupção de gravidez visando garantir a segurança, o acolhimento e o atendimento humanizado às mulheres vítimas de estupro, além das demais situações previstas em lei.

Atualmente, o estado de São Paulo conta com 13 serviços de saúde no Sistema Único de Saúde (SUS) para a realização dos procedimentos de interrupção da gravidez.

“Neste ano, até março, foram realizados 122 procedimentos de interrupção de gestação no estado de São Paulo.

Em todo o ano de 2023, foram realizados 602 procedimentos de interrupção de gestação. As equipes que atuam nos serviços sob gestão estadual são altamente qualificadas e especializadas. Neste momento, a SES prepara o lançamento de um curso EAD para reforçar a capacitação das equipes”, diz a secretaria.

Ministério das Mulheres

“O Ministério das Mulheres, por meio de sua Ouvidoria das Mulheres, tem acompanhado com preocupação as notícias veiculadas na imprensa sobre o fechamento do serviço de aborto legal do Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, assim como a exigência de “ouvir os batimentos cardíacos do feto” – um procedimento inconstitucional e desumano que revitimiza a mulher vítima de estupro, portanto, uma violência institucional.

Em 1 de abril de 2024, o órgão oficiou a Diretoria Administrativa do Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha e o Secretário Municipal de Saúde de São Paulo, para ciência e tomada de providências cabíveis. Em 30 de abril de 2024 e em 23 de maio de 2024, o pedido de esclarecimento foi reiterado. Até o momento, o Ministério das Mulheres não obteve resposta.

Ao Secretário de Saúde do Estado de São Paulo, a Ouvidoria solicitou informações acerca da lista de serviços e unidades hospitalares com condições de ofertar suporte para a realização do abortamento legal no estado. Também questionou se há orientação da Secretaria de Saúde aos profissionais dos equipamentos para que haja o cumprimento da decisão liminar do Ministro Alexandre de Moraes do STF (Supremo Tribunal Federal) em ADPF 1141 que suspendeu a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) n.2378/2024.

Com relação ao Projeto de Lei 1904/2024, o governo federal atua para que o PL não seja votado. Conforme pontua a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, nós não podemos permitir, enquanto sociedade, um retrocesso como este. Não se trata de um debate político ou religioso, estamos falando da garantia da vida e do respeito à dignidade de meninas e mulheres.

Cabe ainda ressaltar que, desde janeiro de 2023, o governo federal tem atuado para enfrentar barreiras de acesso ao aborto legal impostas nos últimos anos. O Brasil anunciou:

– o desligamento do país do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família;

– a Revogação da Portaria 2.561, de 2020, que orientava profissionais da saúde a comunicar à autoridade policial os casos de aborto legal atendidos;

– e a revisão de normas, portarias e diretrizes relacionadas à saúde reprodutiva para adequação à legislação vigente, a partir da promoção dos direitos humanos e de diretrizes científicas.”

Fonte: G1/Foto: Reprodução/TV Globo

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