“Qual será o próximo passo de Vladimir Putin?”
É uma pergunta que muitos me fizeram na última semana. E é compreensível.
Afinal, na semana passada o líder do Kremlin relaxou bastante os critérios para usar suas armas nucleares em um conflito.
E também foi a semana em que Putin ameaçou o Reino Unido, os EUA e qualquer outro país que estiver suprindo a Ucrânia com esse tipo de arma e para esse tipo de propósito.
“Nos consideramos no direito de usar nossas armas contra bases militares nestes países que permitirem o uso de armas contra nossas bases”, disse o líder russo, em um pronunciamento à nação na quinta-feira (21/11).
Então é de se entender a urgência da pergunta “qual será o próximo passo de Vladimir Putin”.
Por eu ser o editor de Rússia da BBC News, talvez você imagine que eu tenho uma resposta. Mas para ser sincero, eu não tenho.
Talvez nem mesmo Putin saiba a resposta, o que deixa tudo mais grave.
Em vez de respostas, eu tenho algumas observações.
Usando a escalada
Esta semana, o Kremlin acusou o “Ocidente coletivamente” de escalar a guerra na Ucrânia.
Mas esses quase três anos de guerra na Ucrânia demonstraram que é Putin quem está usando a escalada de tensões como método para atingir suas metas — neste caso o controle sobre a Ucrânia ou a paz nos termos da Rússia.
Há muitos exemplos de Putin escalando a guerra: a invasão de grande escala da Ucrânia, a decisão de declarar quatro territórios ucranianos como parte da Rússia, o envio de soldados norte coreanos para a região de Kursk, a decisão de atacar a cidade de Dnipro com um novo míssil balístico hipersônico de alcance médio na quinta-feira e as ameaças de atacar o Ocidente.
Uma vez eu descrevi Putin como um carro sem marcha ré ou freio, voando baixo em uma estrada, com o acelerador no máximo.
Pelo visto, pouco mudou.
Não esperem que esse “Putinmóvel” de repente vá desacelerar — ou reverter a escalada de tensões — diante de ataques com mísseis de longo alcance na Rússia.
Mas a escalada é outro assunto. É uma possibilidade clara.
A Ucrânia deve estar se preparando para mais ataques russos, com bombardeios ainda mais pesados.
Governos ocidentais provavelmente estão avaliando o nível de perigo diante dos alertas de Putin.
Mesmo antes do pronunciamento de Putin na televisão, havia temores no Ocidente de uma escalada na guerra híbrida da Rússia.
No mês passado, o diretor do MI5 — a agência britânica de inteligência — alertou que a inteligência militar russa está engajada em uma campanha para “gerar pânico em ruas britânicas e europeias”.
“Vimos incêndios, sabotagem e muito mais”, disse ele.
Em junho, Putin havia sugerido que Moscou poderia fornecer armas a rivais do Ocidente se a Ucrânia recebesse permissão para atacar a Rússia com mísseis ocidentais de longo alcance.
“Nós acreditamos que se alguém acha que é possível fornecer essas armas em uma zona de guerra para atacar nosso território e criar problemas para nós, por que não podemos suprir armas da mesma classe para regiões pelo mundo que podem atacar bases sensíveis nos países que estão fazendo isso com a Rússia?”
A opção nuclear
A pergunta “qual será o próximo passo de Putin” costuma ser seguida por: “Putin usaria uma arma nuclear na guerra contra a Ucrânia?”
O presidente russo já deu umas indiretas pouco sutis.
Quando anunciou o começo de sua “operação militar especial” — a invasão de grande escala da Ucrânia — ele fez um alerta para “aqueles de fora que possam se sentir tentados a interferir”.
“Não interessa quem possa querer se atravessar no nosso caminho ou criar ameaças para nosso país e nosso povo”, disse o líder do Kremlin. “Eles devem saber que a Rússia vai responder imediatamente. E as consequências serão tamanhas que jamais terão sido vistas em toda a sua história.”
Líderes ocidentais minimizaram as declarações, tratando-as como bravatas nucleares. Desde o começo da guerra, governos ocidentais já ultrapassaram diversas “linhas vermelhas” da Rússia: fornecendo tanques, sistemas de mísseis avançados e caças F16 à Ucrânia.
As “consequências” citadas pelo Kremlin nunca se materializaram.
Em setembro, Putin anunciou que estava relaxando os critérios para uso de armas nucleares — e o decreto foi publicado esta semana.
Agora essa linha vermelha também foi cruzada pelo Ocidente. Em seu pronunciamento, Putin confirmou relatos ocidentais de que a Ucrânia disparou mísseis Atacms, dos EUA, e Storm Shadow, do Reino Unido, contra alvos dentro da Rússia.
No começo da semana passada, o tabloide Moskovsky Komsomolets, que é pró-Kremlin, um tenente-general disse que seria “miopia da Rússia” responder ao ataque “dando início à Terceira Guerra Mundial”.
Seria bom se o Kremlin também pensasse assim.
Mas o pronunciamento de Putin não sinalizou isso. Sua mensagem aos aliados da Ucrânia no Ocidente parece ser: essa é uma linha vermelha séria para mim, e eu desafio vocês a tentarem cruzá-la.
“Nem mesmo Putin sabe se ele pode usar armas nucleares ou não. Tudo depende das suas emoções”, me disse recentemente o colunista Andrei Kolesnikov do jornal Novaya Gazeta.
“Sabemos que ele é um homem muito passional. A decisão de dar início a essa guerra também foi um passo passional. Por isso temos que levar a sério sua ideia de mudar a doutrina nuclear. Eles dizem que o medo da guerra precisa voltar e isso vai conter ambos os lados, mas isso também é uma ferramenta de escalada.”
“Por essa interpretação, devemos admitir que Putin, sob algumas circunstâncias, pode pelo menos usar uma arma nuclear tática dentro de uma guerra nuclear limitada. Não vai resolver o problema. Mas será o começo de uma escalada suicida para o mundo todo.”
Armas nucleares táticas são pequenas ogivas para uso em campos de batalha ou em ataques limitados.
O fator Trump
Vladimir Putin age conforme seus impulsos. Ele também é motivado por um ressentimento contra o Ocidente, e parece determinado em não recuar.
Mas ele também sabe que o mundo será um lugar muito diferente em breve.
Em dois meses, Joe Biden terá deixado a Casa Branca, e Donald Trump será o novo presidente dos EUA.
Trump tem expressado ceticismo sobre assistência militar americana à Ucrânia e críticas em relação à aliança militar Otan.
Ele também disse recentemente que conversar com Vladimir Putin seria “algo inteligente”.
Tudo isso deve soar como música aos ouvidos de Putin.
O que significa que apesar das mais recentes ameaças e alertas, o Kremlin pode decidir evitar uma grande escalada agora.
Isso se o Kremlin estiver calculando que Trump vai ajudar pôr um fim à guerra em termos que beneficiam a Rússia.
Se esse cálculo mudar, a resposta de Moscou também pode mudar.
Fonte: G1/Foto: Maxim Shipenkov via Reuters