Sobrevivente da bomba atômica que atingiu Hiroshima, no Japão, durante a Segunda Guerra Mundial, o policial militar Takashi Morita completa 100 anos de idade neste sábado, e será homenageado na escola que leva seu nome, a Etec Takashi Morita, na Zona Sul de São Paulo.
A cerimônia vai contar com apresentações de Taikô, teatro, dança e sarau entre alunos e professores. Além de Morita, também estará presente no evento o Cônsul-Geral do Japão, Shimizu Toru, parlamentares e outros dois sobreviventes da bomba atômica que também vivem no Brasil.
Morita veio para o Brasil 11 anos depois da bomba lançada sobre Hiroshima, por problemas de saúde. Chegou ao país com 32 anos, acompanhado da mulher e dos dois filhos: um menino e uma menina.
Oitenta mil pessoas tiveram morte instantânea em Hiroshima. Outras 80 mil morreram depois, por causa da radiação. No dia em que a bomba caiu em Hiroshima, o policial caminhava em direção a uma montanha perto da cidade, onde teria um trabalho a fazer. Embora boa parte do país estivesse destruído pela Segunda Guerra Mundial, Hiroshima permanecia intacta.
— Veio uma luz muito forte. Meu chapéu e relógio sumiram. Uma casa, que estava ali do lado, caiu. O que aconteceu? Ninguém sabia. De repente, ficou tudo escuro. Ouvi um avião passando em cima da gente. Americano. Começou a cair uma chuva preta, parecia óleo caindo do céu. Vai queimar tudo, eu pensei. Um coreano, que estava perto de mim, ficou com a cabeça queimada. Muita gente na rua estava queimada também — contou Morita ao GLOBO.
Atônito, o jovem policial correu até o centro de Hiroshima, onde, desesperadas, muitas pessoas corriam pelas ruas com a pele toda queimada. Outros gritavam que tinham sede, mas, ele recorda, caíam à beira da morte depois de beber água de um poço. Com medo da contaminação, Morita decidiu passar os próximos dias sem beber nada. Três dias depois, Nagasaki teve o mesmo destino: entre 60 mil e 80 mil mortos.
Passados dez anos, já trabalhando como relojoeiro, Morita começou a sentir-se mal — tinha calafrios e cãibras — e acreditou tratar-se de uma sequela deixada pela bomba. Foi quando um freguês da loja, que havia vivido no Brasil, deu-lhe a ideia: mudar-se para São Paulo, onde mora desde 1956. Ele acreditava que o clima poderia ajudá-lo a lidar com problemas de saúde causados pela radiação.
— Vendi tudo para comprar a passagem. Foram 42 dias no navio. Ele disse que São Paulo tinha altura boa e clima bom, que eu não ia me sentir mal. Disse que Brasil não tinha ladrão, não tinha mosquito. Japão estava muito pobre. Minha mulher e filhos não queriam sair. Mas vendi tudo o que tinha para comprar a passagem. Foram 42 dias no navio. Chegando aqui, não sabia nada.
Nos primeiros dois anos vivendo em São Paulo, Morita teve 20 endereços. Tentou vários empregos até que conseguiu uma vaga em uma relojoaria na Rua Augusta, no centro. A nova língua ele aprendeu na marra, “para não passar fome”. Ainda fala com sotaque japonês, esquece de alguns artigos, mas se comunica muito bem. Os filhos se formaram na Universidade de São Paulo (USP). Em 1984, Morita abriu a mercearia de produtos japoneses que mantém até hoje no bairro da Saúde, Zona Sul da capital paulista.
Foi naquele ano também que o comerciante criou uma associação para as vítimas da bomba atômica que vivem no Brasil. O principal objetivo do grupo era conseguir apoio do governo japonês no tratamento médico de quem vivia fora do Japão. O governo só reconheceu que deveria fornecer o tratamento para essas vítimas em 2003, após uma série de processos judiciais. A associação também trabalha para divulgar os perigos da bomba atômica e da energia nuclear. O próprio Morita vai a escolas para contar sua história para crianças e adolescentes.
Fonte: O Globo/Foto: Edilson Dantas.