Indígenas e ribeirinhos relatam insegurança em ‘palco’ de massacre

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Três anos após a operação policial que resultou no massacre do Rio Abacaxis, em Nova Olinda do Norte (AM), ribeirinhos e indígenas das etnias Munduruku e Maraguá ainda aguardam respostas sobre mortos e desaparecidos e relatam que se sentem ameaçados diante da ausência do estado na região. Seis pessoas morreram e duas estão desaparecidas. Até hoje, não há denúncia contra os responsáveis pelas graves violações contra moradores do local. A população diz que está à mercê de criminosos que passaram a invadir a região.

“Se passaram três anos e até hoje não temos nem uma solução por parte do poder competente que atua nesse caso. Perdemos vidas, perdemos a nossas aldeias, perdemos nossa paz, nossa liberdade e autonomia”, disse um indígena Munduruku em evento na Ufam (Universidade Federal do Amazonas) na última quinta-feira (3).

Ele e outros indígenas e ribeirinhos, que não se identificaram por questões de segurança, relataram como têm vivido após o massacre ocorrido em agosto de 2020. Eles afirmam que “pagaram” por uma situação que não tinham envolvimento.

“Eles (os policiais) entraram na região com olhares de vingança”, disse um ribeirinho. “Eles chegaram matando parece bicho”, completou outro.

A população local reclama da insegurança na região. “Quem deveria estar nos protegendo era a Polícia Federal ou a Força Nacional. Desde quando a Polícia Federal saiu de lá, nunca mais os agentes foram lá. Nem da Polícia Federal, nem da Força Nacional. O rio está livre para tudo quanto é o que não presta: traficantes, madeireiros, pescadores, caçadores. E nós não podemos fazer nada, infelizmente”, disse um indígena Maraguá.

Em razão das violações denunciadas por moradores de comunidades ao longo dos rios Abacaxis e Mari-Mari, o TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) suspendeu, em agosto de 2020, a operação policial da Secretaria de Segurança do Amazonas na região, e determinou que agentes da Força Nacional de Segurança e da Polícia Federal fossem enviados para garantir a ordem no local.

De acordo com os indígenas e ribeirinhos, os agentes estão no município, mas ficam apenas na zona urbana.

“A Força Nacional chega em Nova Olinda… O que eles vão fazer em Nova Olinda se o problema é dentro do rio? O que eles estão fazendo em Nova Olinda? A gente vê eles no carro de cima pra baixo, na rua, quando não, estão correndo na estrada, fazendo exercício, ganhando dinheiro sem fazer absolutamente nada”, disse um indígena.

“Enquanto eles estão aí, o rio está sendo saqueado lá dentro, os indígenas e os ribeirinhos estão sendo ameaçados porque não há fiscalização, não há a presença deles ali. Se Brasília envia esses policiais para ir para a região porque eles não vão? pelo menos uma vez por semana, dar uma volta lá dentro. Assim a gente poderia até concordar, mas não. Desde que a Polícia Federal saiu de lá nunca mais eles foram lá”, completou o indígena.

Um dos moradores da região disse que conversou com o responsável pela tropa, mas ele apenas prometeu enviar os agentes ao rio. “Disseram que iriam, mas não foram”, disse o homem.

A área invadida integra os PAEs (Projetos de Assentamento Agroextrativistas) Abacaxis I e II, e território indígena Maraguá reivindicado.

Diante das invasões, os indígenas afirmam que foram orientados pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) a evitar novos conflitos.

“As ameaças são desse tipo: ‘se vir abordar, a gente vai matar, a gente vai reagir’. Eu conversando ontem com a Funai, eles pediram para a gente não bater de frente. Fazer documentação e mandar para que eles possam fazer fiscalização dentro do que eles podem”, disse um indígena.

Conflitos

Os conflitos na região foram iniciados após desentendimento entre comunitários da região e um ex-secretário do Governo do Amazonas que fazia pesca esportiva sem autorização na Terra Indígena Kwatá Laranjal. Ele esteve no local no dia 24 de julho de 2020, a bordo da embarcação Arafat e alega ter sido atingido por um disparo, o que nunca foi comprovado.

A situação foi agravada com o envio de uma tropa da Polícia Militar ao local. Sem identificação, os policiais foram à bordo do mesmo barco e acabaram entrando em confronto armado com comunitários. Dois agentes morreram.

Em reposta à morte dos PMs, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas enviou dezenas de policiais militares para o município. A atuação deles foi classificada pela Polícia Federal como operação de extermínio, com execuções, vítimas metralhadas, tortura de criança e adolescente e asfixiamento com sacos plásticos.

O ex-secretário de Segurança Pública Louismar Bonates e o ex-comandante da Polícia Militar do Amazonas coronel Ayrton Norte foram indicados pela Polícia Federal, mas ainda não foram denunciados.

Tortura

Em depoimento no evento promovido pela Ufam, indígenas Maraguá disseram que vivem “um dos piores momentos da história deles”. Eles tiveram casas queimadas.

“A gente era livre. Depois que isso aconteceu a gente não se sente mais confortável para sair de casa. A gente se sente ameaçado”, disse uma indígena.

“Até hoje não temos notícias sobre meu irmão. Não foi encontrado. Até hoje nada de resposta. Eu estou aqui em nome de todos eles para pedir justiça. A gente não pode se calar, não pode ter medo. Se a gente não falar, isso vai sempre estar acontecendo”, disse uma outra indígena, emocionada.

Com sentimento de revolta e tristeza, eles pedem justiça pelos familiares. “Não estamos aqui para pedir indenização. Só queremos justiça. Que as pessoas que torturaram, que mataram, as pessoas irresponsáveis que estavam nesse movimento sejam punidas conforme a lei do nosso pais”, disse um indígena.

“Quantos juízes já se passaram nesse caso? Quantos delegados já passaram nesse caso? Quem teve coragem e competência para dizer que o governo é culpado disso. Nós sabemos que o governo é culpado. Porque os juízes e delegados não culpam o governo. Até hoje estamos sem solução”, completou o indígena.

Foto: Divulgação

*Amazonas Atual

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