Bagagem freia avanço de companhias aéreas ‘low cost’ no Brasil

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A promessa do governo Lula de baixar os preços de passagens de avião vem em um momento no qual o Brasil enfrenta dificuldades para atrair mais companhias aéreas de baixo custo (low cost) estrangeiras que, em outros mercados, cumprem o papel de oferecer tarifas mais em conta. Segundo especialistas e as próprias companhias, o principal entrave para a expansão das low cost no Brasil é uma insegurança jurídica em relação à cobrança de bagagem.

A premissa dessas empresas são passagens mais baratas a partir de condições mais simples, como poltronas menores, ausência de serviços durante o voo e ocupação de mais de 90% dos assentos nas aeronaves. O consumidor economiza na passagem, mas acaba gastando com esses serviços adicionais.

Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), cinco empresas dessa modalidade já operam no Brasil: a argentina Flybondi; as chilenas SKY Airlines e JetSmart Airlines; a norueguesa Norwegian e a britânica Virgin Atlantic. Elas, no entanto, ainda não são muito presentes nos aeroportos do país.

O GLOBO conversou com os presidentes de duas delas sobre por que esse segmento ainda não decolou no Brasil. Estuardo Ortiz, da JetSmart, e Mauricio Sana, da Flybondi, concordam que as empresas enfrentam riscos regulatórios no país, como a possibilidade de o Congresso retomar a gratuidade de bagagem.

— A medida mais importante, neste momento, é garantir que o regulamento permita que as companhias ofereçam serviços separadamente, e o cliente possa escolher. A única forma de oferecer tarifa mais baixa é não ter nada incluso no preço, caso contrário o valor será maior. Bagagem é um item realmente sensível para incluir, tem que despachar, colocar no avião, é muito pesado e, portanto, precisa de muito combustível — diz Ortiz.

Ele estima que a gratuidade das bagagens aumentaria os preços em 20% e prejudicaria a maior parte do público-alvo da JetSmart. Sana, da Flybondi, defende que o pagamento à parte pelos serviços amplia a escolha do consumidor:

— A medida é contrária aos interesses das companhias do modelo de baixo custo. Se implementada, aumentará o valor das passagens. O modelo de venda à la carte dá ao passageiro a oportunidade de pagar apenas pelos serviços de que necessita, tornando as tarifas aéreas mais transparentes.

Veto na mira

Em 2017, no governo Michel Temer, a Anac permitiu que as aéreas decidissem cobrar ou não pelas bagagens despachadas, mantendo a gratuidade para a mala de mão de até 10 quilos. No ano passado, contudo, parlamentares aprovaram um artigo que proibia a cobrança de qualquer taxa por uma mala de até 23 quilos em voos nacionais e 30 quilos nos internacionais. Esse item foi vetado pelo então presidente Jair Bolsonaro, mas o Legislativo ainda pode derrubar o veto e restabelecer o benefício. O ministro de Portos e Aeroportos do governo Lula, Márcio França, já afirmou que defende a manutenção do veto de Bolsonaro, mas trata-se de medida impopular.

No setor, a percepção é que existe um clima “favorável” no Congresso para a volta da gratuidade na bagagem despachada. Para isso, seriam necessários 257 votos de deputados e 41 de senadores. E ainda não há definição sobre um prazo para a votação.

Para Ricardo Catanant, diretor da Anac, mudanças em regras como essa criam um ambiente de incerteza e insegurança jurídica que dificulta o crescimento das empresas de baixo custo no país:

— Foi uma série de liminares, ações na Justiça e iniciativas legislativas que puseram em risco ou em questionamento o modelo (de low cost).

As dúvidas sobre as regras não ajudam um setor que, no Brasil, ainda tenta se recuperar das perdas da pandemia e enfrenta alta de custos, com o real desvalorizado nos últimos anos. O preço do querosene de aviação, por exemplo, um dos principais custos do setor, saiu da faixa de R$ 1,50 por litro, em 2017, para mais de R$ 4 no último levantamento da Anac, o que encareceu as passagens. O governo vê no aumento da competição uma saída para baixar preços. Easyjet (Inglaterra), Ryanair (Irlanda), JetBlue (EUA) e Flydubai (EAU) são algumas low cost que o Ministério de Portos e Aeroportos já indicou que quer atrair.

Catanant diz que a volta da cobrança das bagagens despachadas só favoreceria as grandes aéreas brasileiras:

— As receitas auxiliares, como as bagagens, podem chegar a 60% (das receitas) de uma companhia ultra low cost.

Em nota, a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), que reúne as companhias nacionais, diz que é favorável à “política de liberdade tarifária e de rotas” e defende que o Brasil se aproxime dos modelos praticados internacionalmente, o que seria “essencial para atrair mais investimentos e o crescimento do mercado de transporte aéreo.”

Voos domésticos

Ricardo Fenelon Jr., especialista em Direito Aeronáutico e ex-diretor da Anac, explica que os serviços de aviação civil dentro do Brasil são reservados a empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no país. Isso, no entanto, não seria necessariamente um empecilho à entrada de estrangeiras e eventual oferta de rotas domésticas.

— Para oferta de passagens domésticas, não vale mais aquela lei antiga de ter capital majoritário brasileiro. Não importa de onde é o capital, desde que a empresa seja constituída sob leis brasileiras, com sede e administração no Brasil — explica o advogado.

Os executivos de Flybondi e JetSmart dizem que as companhias têm interesse em operar voos entre estados brasileiros, mas também citam a necessidade de o país continuar o processo de desregulamentação do setor liderado pela Anac. Como exemplos de obstáculos, citam a alta tributação de combustíveis, taxas aeroportuárias consideradas caras e o nível elevado de litígios sobre direitos do consumidor.

A Anac diz que a Air Nostrum (Espanha) já demonstrou interesse em voos domésticos e outras estão em tratativas iniciais, a depender do desenrolar da situação regulatória no Brasil, especialmente a questão das bagagens.

Foto: Eduardo Maia/Agência O Globo

*O Globo

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