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A Reforma Nasceu. Não é o fim da História.

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Não, não é o fim da história (esse não existe, meu caro Fukuyama), mas foi um capítulo e tanto.

Há 25 anos atrás participei diretamente pela primeira vez da discussão do Tema. Germano Rigotto e Mussa Demes conduziam a Comissão e a relatoria. De lá para cá perdi as contas. Alguém vai historiar as tentativas ao longo do caminho. Mas, enfim, a reforma dos tributos do consumo foi feita.

E afinal qual a avaliação? Não há espaço para uma avaliação aprofundada, vamos iniciar “por partes.”

É boa para o Brasil, ficou ótima para o Amazonas. Mas está longe de ser perfeita.

A maior qualidade, indiscutivelmente, é a SIMPLIFICAÇÃO. Espere um instante, não é pouco não. É uma monumental simplificação, monstruosa. Não apenas porque “sintetizou” os tributos do consumo, mas reduziu a pó a miríade de alíquotas hoje existentes.

Hoje o sistema é feito para errar.  São milhares de exemplos. Se é pão tem uma alíquota, panetone, outra. Se compro o panetone para vender é uma alíquota, se for para distribuir para os funcionários, outra. A Croc é sandália ou é sapato? O meu cliente é lucro real ou presumido? Meu cliente está no Sudeste ou no Norte? E cada estado tem uma legislação diferente. Aspas “Cada estado responde diferente a cada uma das questões.”

Fui Subsecretário e Secretário Executivo da Receita, coloquei minha assinatura em umas tantas centenas de Convênios, Portarias e Decretos, resta uma certeza: Sei muito pouco, gasto um tempão consultando na internet os milhares de atos que se referenciam uns aos outros de forma hermética ou isso ou melhor, consulto a Ivone Assako Murayama.

A simplificação é essa: A alíquota será a mesma em toda a cadeia. O ideal seria uma alíquota única geral, mas alguns serviços essenciais terão alíquota reduzida. Mas ainda assim a simplificação, repito, é brutal. Ponto para a Reforma. Ponto para o Brasil.

Um outro ponto antes de focarmos na aldeia do Barés. A questão da alíquota.

A reforma não foi feita para aumentar a carga tributária, se a alíquota for 26% ou 30% é porque essa é a carga global do que JÁ PAGAMOS HOJE E NÃO VISUALIZAMOS POR FALTA DE TRANSPARÊNCIA. Como assim? Digamos que uma empresa de ônibus pagasse 3% de ISS. Essa a carga tributária dela? Não ela paga 25% de ICMS na compra da gasolina. Paga uns 18% em peças de reposição, 25% de Energia Elétrica, 25% de Internet e uma série de outros tributos que não são abatidos, viram custos. No novo sistema temos uma única alíquota e tudo o que foi pago em tributos é deduzido na etapa de venda, seja bens ou serviços. (Disclaimer: Tributaristas o exemplo é para fins didáticos, ok? Não me detonem.) Portanto, quando falarem mal da alíquota lembre-se disso.

E para a Zona Franca, motor da nossa economia? Direto ao ponto: Minha avaliação é positiva. Digo isso porque recebi umas críticas dizendo que sou um otimista ingênuo. Pode até ser, quem sabe?

A primeira crítica é não ter protegido suficientemente. Desculpe, mas não faz sentido.

O maior ganho foi de afastar o conceito de que a PEC poderia redisciplinar o modelo (seja reduzindo ou ampliando o modelo) como faziam algumas redações de múltiplas origens. De fato, a emenda introduziu no texto constitucional conceitos que ao longo dos anos resultaram de uma construção jurisprudencial exitosa, mas passível de alteração. A Bancada repôs o conceito correto. Explico.

A Zona Franca de Manaus é uma área econômica especial mantida pela Constituição até 2073 com características “de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais”. Sendo uma regra constitucional por prazo certo é insuscetível de alteração ou supressão dentro de um quadro do Estado de DireitoEssa PEC e qualquer outra vindoura tem de se adequar a esse conceito básico.

A explicitação dessa regra é a constante no caput do art. 92- b, que diz:

Art. 92-B. As leis instituidoras dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, da Constituição Federal estabelecerão os mecanismos necessários, com ou sem contrapartidas, para manter, em caráter geral, o diferencial competitivo assegurado à Zona Franca de Manaus pelos arts. 40 e 92-A e às áreas de livre comércio existentes em 31 de maio de 2023, nos níveis estabelecidos pela legislação relativa aos tributos extintos a que se referem os arts. 126 a 129, todos deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

§ 1º Para assegurar o disposto no caput, serão utilizados, isolada ou cumulativamente, instrumentos fiscais, econômicos ou financeiros.

Foi trazido para dentro da Constituição, explicitado, exigido, o conceito do “diferencial competitivo”, impondo que as novas leis mantenham esse diferencial. E como farão isso? Hoje, o mecanismo é de benefício fiscal. Agora a Constituição amplia podendo ser adicionalmente, econômicos ou financeiros.

Portanto, aos que veem o copo meio vazio lembro que o que havia foi mantido e adicionou-se conceitos específicos que eram tratados como corolários necessários, mas estavam sujeitos aos humores (melhor falar, entendimento, né?) do Judiciário.

É, mas o diabo mora nos detalhes. A primeira versão da Câmara estabeleceu o Imposto Seletivo como mecanismo diferencial, o Senado tirou o Seletivo e criou uma CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) e ao voltar à Câmara ressuscitaram o IPI. A reforma não foi feita para acabar com esse imposto? Qual o impacto disso?

Minha posição que a definição deveria vir na Lei Complementar, não vejo risco nisso, mas a posição da bancada foi de já estabelecer um mecanismo mínimo. Ok, vida que segue.

Defendida por muitos, a opção do Seletivo (imposto do pecado) tinha como maior virtude usar um imposto já dentro do novo sistema. De toda forma foi uma solução duramente atacada, ganhamos editoriais nos principais jornalões (Estadão, Globo, Folha) e blogs. Para mim era pior solução, O caráter de excepcionalidade desse tipo de imposto acabaria com a inclusão de mais de 500 produtos do Polo Industrial de Manaus. Apanhamos feio e ninguém nos defendeu. A bicicleta virou a questão emblemática. Como algo salutar vai ser taxado por um imposto destinado a impedir o seu consumo? Conclusão: A opção do Seletivo tem que morrer.

Na etapa do Senado, com Eduardo Braga como relator, foi construída melhor solução. A CIDE já estava na Constituição exatamente como instrumento também para excepcionalidades. E aqui funcionaria subsidiariamente apenas naquelas situações que não fosse possível replicar no IBS e na CBS (os novos tributos criados) os atuais benefícios. E em que amplitude isso ocorre? Isso só acontece para aqueles produtos que hoje tem IPI mais elevado. E apenas uns 15 produtos tem IPI superior a 20%.

A CIDE seria para poucos produtos, não geral, seria desenhada do zero, incluiria melhores mecanismos de gerenciamento. Mas mais uma vez perdemos a batalha de comunicação, e a manifestação de muitos, muitos amadores ajudou a embolar o meio de campo. Depois de duras, prolongadas negociações e embates saiu a CIDE e voltou o IPI. É muito bom e é ruim.

Há aspectos um tanto complexos dos benefícios fiscais que por vezes tem mais impacto e ganho direto para as empresas e outras vezes para a competitividade dos produtos, sendo apropriado mais pelo varejo. Isso tem um fator interessante na análise, mas não há espaço para aprofundar aqui.

Vamos ao IPI.  Na verdade, ele funcionou até aqui como uma discreta cláusula de barreira a favor da ZFM, ao lado de sua função arrecadatória e regulatória no resto do país. Agora restará, explicitada, a função de cláusula de barreira porque ele continua isento em Manaus, vai ter sua alíquota zerada no resto do país, exceto para aqueles produtos que são industrializados em Manaus. Uma jabuticaba tributária. Pior tecnicamente, mas melhor para nós.

BOM.

A CIDE seria restrita a poucos produtos, o IPI é geral (Esse efeito é uma moeda de dois lados). Quando brigamos no STF contra os decretos da dupla Bolsonaro/Paulo Guedes as decisões foram pontuais chegando a cobrir algo em torno de 95% do que produzimos. Falou-se muito em Listas de produtos essenciais ou estratégicos que deveriam ser protegidos. Estava errado lá e agora é um conceito (listas) sepultado. A Regra é clara.

III – o imposto previsto no art. 153, IV, da Constituição Federal:

a) terá suas alíquotas reduzidas a zero, exceto em relação aos produtos  que  tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus,

Agora está estabelecida a proteção geral. Qualquer um daqueles segmentos que está com o IPI zerado pode exigir que seja estabelecido um IPI condizente com o diferencial competitivo pré-existente.  

É, mas e os novos produtos? Aos novos produtos aplica-se a mesmíssima regra. IPI neles. Nada autoriza entendimento contrário.

RUIM.

Fica explicitada a função de Cláusula de Barreira generalizada do IPI. A OMC é contra e podemos ter problemas por aí. (Tem IPI na importação)

Vai exacerbar o conflito com aquilo que tem produção também fora de Manaus. Há produtos relevantes e outros dispensáveis. Por exemplo, uma decisão equivocada do CAS, inclui mel e outros produtos naturais entre os incentivados. O seo Zé Schurmann do interior do Paraná que produz mel lá também vai ficar inconformado.

Em uma síntese sintética a reforma é boa e necessária, vai passar pelo teste da vida real. E, com certeza, será ajustada, as correções virão. Nada é imutável, os ganhos ficarão.

E aos que criticam o Polo Industrial lembro que emplacamos um fundo exclusivo para construirmos a diversificação da nossa economia. Outra ponte para o futuro.

Muitos, colocaram o seu tijolo nessa obra. Vamos registrar isso ao discutir outros aspectos, por ora, quando sempre criticamos nossos políticos, tem de reconhecer o mérito e o empenho de alguns membros da Bancada Federal. Os 3 deputados que integraram a Comissão foram muito ativos. Sidney Leite demonstrou muita articulação, levando nossas teses aos principais interlocutores. Saullo Vianna acompanhou cada passo, sempre atento e Adail Filho até buscou técnicos para se aprofundar no tema. Omar Aziz e Eduardo Braga mostraram muita força e até prestigio mesmo, seja no Congresso ou no Executivo.

Ano que vem é a batalha da Lei Complementar.

Não é o fim da história, basta de lutar apenas para sobreviver. Vencida essa etapa outra pauta se abre. Correção de rumos. Pesquisa, desenvolvimento, nível dos salários no PIM, muito mais.

Feliz Ano Novo a todos.

*Por Thomaz Nogueira / Arte: Sacada Publicidade

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