Ministros do governo Luiz Inácio Lula da Silva passaram o dia ontem em mais uma sequência de reuniões para fechar o pacote de corte de gastos que está sendo preparado pela pasta da Fazenda, comandada por Fernando Haddad. Enquanto áreas que podem ser afetadas por projetos estruturais de corte de gastos resistem a mudanças, o Executivo discute alterações em políticas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), além de um novo pente-fino no Bolsa Família.
Na série de reuniões ontem, o governo debateu mudanças no BPC como conceder o auxílio só para doenças graves e pessoas incapacitadas para o trabalho. Na avaliação de gestores do programa, parte dos novos beneficiários não estaria incapacitada para o trabalho.
Outra medida em estudo é estender a obrigatoriedade da biometria na solicitação de todos os benefícios assistenciais e previdenciários, de modo a aumentar a fiscalização e evitar fraudes. A ideia é propor um projeto de lei sobre o tema. Desde setembro, há uma portaria que prevê a obrigatoriedade de biometria na revisão do BPC.
O BPC paga um salário mínimo por mês para pessoas com deficiência e idosos de baixa renda. O programa entrou na mira do Executivo por suspeitas de fraudes e por conta do aumento de gastos do programa, que custará R$ 118 bilhões no próximo ano.
O projeto preparado, além disso, deve deixar o BPC com regras de adesão e permanência semelhantes às do Bolsa Família. Isso vai incluir cruzamento mensal de dados, o que não ocorre hoje.
Pelo projeto do governo, será exigida prova de vida anual (como ocorre no INSS para os aposentados), reconhecimento facial e biometria para concessão e manutenção dos pagamentos. Os beneficiários poderão atualizar seu cadastro por meio de aplicativo de celular e também nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) dos municípios.
Segundo participantes do encontro, porém, não foram discutidas mudanças estruturais nos benefícios, como uma desindexação ao salário mínimo ou redução na idade mínima.
Esses temas foram discutidos em reunião na Casa Civil ontem, com a presença da equipe econômica e dos ministros da Previdência, Carlos Lupi, e do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, além de técnicos. A pasta da Previdência cuida do INSS, enquanto o MDS é responsável pelo BPC e o Bolsa Família.
Em evento do PDT ontem, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, disse que não há “nenhum corte previsto” na sua área. Ele afirmou que o foco será, nesse caso, em pente-fino.
— Teve a pandemia e um afrouxamento de regras pela necessidade da população. Teve um aumento enorme de pessoas que passaram a receber sem um critério mais justo — afirmou, confirmando ainda a necessidade de biometria para benefícios. — A discussão não passa por corte de direitos.
500 mil unipessoais
No encontro, o ministro do Desenvolvimento Social ainda afirmou que a pasta pretende reduzir o número de famílias unipessoais no Bolsa Família devido à suspeita de fraudes ou irregularidades. A expectativa é que a redução seja da ordem de 500 mil famílias.
Para isso, o governo Lula fará um novo pente-fino no Bolsa Família, semelhante ao realizado no início de 2023, com foco nas famílias unipessoais. A operação deve ser realizada a partir de janeiro de 2025 e vai abranger beneficiários que moram sozinhos, entre 18 anos e 49 anos. Eles representam universo de 1,3 milhão dos quatro milhões de beneficiários que vivem sozinhos.
Segundo técnicos a par das discussões, há suspeita de que até 500 mil recebem o benefício de forma irregular. Os pagamentos serão suspensos e cancelados no decorrer da revisão. A economia estimada, considerando dados anualizados, ficará na casa de R$ 4 bilhões, disse um integrante do governo.
Para técnicos do MDS, o contingente de 1,3 milhão na faixa etária entre 18 anos e 49 anos é elevado, considerando o perfil do público beneficiado pelo programa. Ou essas pessoas têm problemas sérios de saúde ou vivem em situação de vulnerabilidade, disse a fonte.
No início de 2023, o MDS realizou um pente-fino no Bolsa Família e suspendeu o pagamento para 1,8 milhão de famílias unipessoais que recebiam o benefício indevidamente. Segundo o ministério, entre novembro de 2021 e julho de 2022, período pré-eleitoral em que o ex-presidente Jair Bolsonaro tentou a reeleição, foram incluídos no programa 2,4 milhões de beneficiários com perfil unipessoal, totalizando 5,8 milhões em dezembro de 2022.
Na sequência de reuniões do dia, um outro encontro reuniu a Junta de Execução Orçamentária (JEO), que é formada pelos ministérios da Fazenda, Planejamento, Gestão e Casa Civil, e que ontem também reuniu os titulares da Educação, Saúde e Trabalho.
Durante as reuniões entre segunda-feira e terça-feira, ministérios que podem ser atingidos por cortes se queixaram das medidas. A pasta da Saúde, por exemplo, se manifestou contra mudar o piso da área, que hoje é vinculado à receita.
A ideia da Fazenda é limitar o crescimento dessas despesas ao previsto no arcabouço fiscal: até 2,5% acima da inflação. Como mostrou O GLOBO ontem, Lula debate com seus ministros se essa mudança entra ou não no pacote de Haddad.
Lula: Educação não é gasto
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, por sua vez, tenta convencer Lula a não mexer nas regras do seguro-desemprego — o petista chegou a negar publicamente que o tema estivesse em debate e ameaçou pedir demissão caso o governo altere regras sem seu consentimento.
Segundo integrantes do Executivo, em uma das reuniões, Marinho falou diretamente a Haddad contra mudar regras. Uma das propostas da Fazenda é limitar o benefício para quem ganha até dois salários mínimos.
Não há reuniões previstas para hoje, mas os ministros estão de sobreaviso para o caso de uma convocação do presidente. O mercado acompanha. Diante da perspectiva de piora no desequilíbrio das contas públicas, o dólar alcançou na semana passada a maior cotação desde 2020. Ontem, recuou 0,63%, a R$ 5,7464.
À noite, em evento em Brasília, Lula voltou a dizer que educação não é gasto:
— Desde a minha primeira reunião como presidente do Brasil eu disse: “nesse governo, vai ser proibido utilizar a palavra gasto quando a gente falar em educação”. Educação é investimento, e o investimento de mais retorno que um país pode ter. Nada pode dar mais retorno que a educação.
Fonte: O Globo/Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo