Ex-militares venezuelanos no Brasil vivem em pânico após sequestro de colega no Chile

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O sequestro do ex-militar venezuelano Ronald Leandro Ojeda Moreno, de 32 anos, em 21 de fevereiro no Chile, onde estava desde o final de 2023, despertou verdadeiro pânico entre militares dissidentes da Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb) que fugiram de seu país, entre eles centenas que vivem no Brasil — segundo estimativas extraoficiais de fontes opositoras, seriam mais de 900. Um desses militares disse ao GLOBO, sob condição de anonimato, que o medo o levou a mudar de casa no meio da madrugada, trocar seus filhos de escola e alterar todos os hábitos da família.

As imagens de Ojeda sendo levado por pessoas que se fizeram passar por policiais chilenos para entrar no prédio onde vivia o ex-militar, em Santiago, às 3h15 da madrugada de quarta-feira passada, foram, nas palavras desse militar que escolheu o Brasil como país para refugiar-se, “um pesadelo tornado realidade”.

— Desde que estou no Brasil, tenho medo de ser sequestrado ou assassinado. Quando eu dizia isso a autoridades brasileiras, me diziam que estava exagerando, mas o caso de Ojeda confirmou que nosso pavor tem fundamento. Estamos lidando com delinquentes — disse o ex-militar venezuelano que, como Ojeda, fugiu da Fanb e foi acusado de traição à Pátria pelo governo de Nicolás Maduro.

Esse militar, como muitos outros que estão morando no Brasil como refugiados políticos, comunicou-se nos últimos dias com autoridades brasileiras para alertar sobre o risco que todos consideram correr mesmo estando fora da Venezuela. De acordo com outro desses militares, todos estão vivendo o pior momento de suas vidas desde que deixaram seu país.

— Todos achamos que podemos ser o próximo da lista, e também temos a certeza de que Ojeda nunca mais aparecerá com vida. Ele será desaparecido — frisou o ex-militar, que evita usar a rede de mensagens WhatsApp (a maioria dos militares venezuelanos prefere o Telegram), não participa de grupos de mensagens e prefere comunicar-se por ligações.

Os militares venezuelanos que moram no Brasil estão espalhados pelo país, mas a maioria se concentra, segundo as mesmas fontes, no Sul e no Sudeste. A porta de entrada de todos foi o estado de Roraima, que faz fronteira com a Venezuela. De lá, os ex-militares da Fanb partiram para outros estados, entre eles Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul e o Distrito Federal. Muitos, comentou um desses ex-militares, estão trabalhando e refizeram suas vidas juntamente com suas famílias.

— Vivemos com medo, sempre foi assim. Mas o que aconteceu com Ojeda elevou esse medo à sua máxima potência — frisa a fonte.

A maioria dos militares venezuelanos que fugiu de seu país é de baixa patente, como é Ojeda, preso por “traição” em março de 2017, enquanto aguardava sua promoção a capitão do Exército, segundo informou a imprensa venezuelana. Na época, o agora ex-militar desaparecido era primeiro-tenente. Em novembro de 2023, Ojeda fugiu da Prisão Ramo Verde, no município de Los Teques de Miranda, próximo a Caracas, e rumou para o autoexílio no Chile.

Os militares que escolheram o Brasil começaram a chegar a partir de 2019, quando o então presidente Jair Bolsonaro reconheceu como legítimo o autoproclamado governo interino do opositor venezuelano Juan Guaidó. O Brasil era, na época, um destino no qual esses ex-militares afirmavam sentir-se tranquilos. Hoje, com Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência, esses mesmos militares dizem temer uma eventual cooperação entre os governos do Brasil e da Venezuela que possa prejudicá-los. Fontes do Planalto consultadas pelo GLOBO negaram qualquer possibilidade de alguma coordenação nesse sentido entre o governo brasileiro e o venezuelano.

As versões, negadas pelo governo do presidente chileno, Gabriel Boric, sobre uma suposta colaboração com o governo Maduro para facilitar o sequestro de Ojeda no Chile penetraram com força no mundo dos ex-militares venezuelanos que escaparam de seu país. O caso Ojeda é visto por alguns deles como um precedente perigoso para os que escolheram instalar-se em países hoje governados por presidentes de esquerda — e sobretudo por chefes de Estado que têm diálogo com o Palácio de Miraflores, como Brasil e Colômbia.

Chile nega colaboração

Em Santiago, autoridades chilenas negaram enfaticamente qualquer tipo de acordo com a Venezuela nesse sentido, mas a usina de rumores cresce a todo vapor entre os ex-militares venezuelanos, que aguardam com inquietação o encontro entre Lula e Maduro na sexta-feira, no âmbito da Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), em São Vicente e Granadinas.

— Temos medo de que Maduro peça a colaboração de Lula, argumentando que militares que estamos aqui no Brasil somos parte de alguma conspiração inexistente para derrubar o governo na Venezuela — disse um dos ex-militares refugiados no Brasil.

O subsecretário do Interior chileno, Manuel Monsalve, considerou absurdas as versões sobre suposta colaboração do governo Boric no sequestro de Ojeda. Monsalve esteve em Caracas em janeiro e assinou um convênio policial com forças de segurança venezuelanas, o que despertou ainda mais dúvidas entre opositores do governo Maduro. Essas versões foram alimentadas por jornais venezuelanos como La Razón, criando um clima de confusão e desinformação após o sequestro de Ojeda, cujo paradeiro continua desconhecido.

— Isso é absurdo. Como todos sabem, nosso dever é contribuir para a luta do governo contra as organizações criminosas — declarou Monsalve, que descartou qualquer tipo de cooperação do Palácio de la Moneda com a suposta perseguição de Maduro a opositores fora da Venezuela.

O subsecretário esclareceu que os acordos selados em Caracas tiveram como único objetivo “a colaboração policial. Não é um convênio de colaboração política”.

O sequestro de Ojeda abriu uma crise dentro do governo Boric e levou o embaixador do Chile em Caracas, Jaime Gazmuri, a solicitar informações ao governo venezuelano, confirmaram fontes chilenas. Gazmurri tem boa comunicação com o Palácio de Miraflores e, segundo essas mesmas fontes, esteve em contato com autoridades venezuelanas nos últimos dias para conversar sobre o caso. As investigações avançam no Chile, mas são secretas pela sensibilidade do assunto e até mesmo, acrescentou a fonte chilena, porque Ojeda ainda está sequestrado e o governo Boric não quer dar nenhum passo em falso que possa afetar sua vida.

Ojeda costumava criticar o governo Maduro nas redes sociais e, já em Santiago, participou de protestos contra negociações entre o Chile e a Venezuela de Maduro. Fontes da oposição venezuelana confirmaram que o ex-militar tinha status de refugiado político, mas a informação não foi revelada pelo governo Boric.

Ojeda, como algum dos militares que estão no Brasil, apareceu numa lista de 33 militares publicada pelo Ministério da Defesa venezuelano no final de 2023, supostamente relacionada a uma conspiração para cometer um magnicídio na Venezuela. A especialista em temas militares Rocío San Miguel, presa em meados deste mês, revelou publicamente que vários dos nomes da lista sequer estavam na Venezuela.

Em Caracas, ONGs de defesa dos direitos humanos também estão em estado de alerta.

— Se for confirmada a participação de venezuelanos vinculados ao governo Maduro no sequestro de Ojeda, estaríamos perante uma transformação qualitativa do nosso conflito político interno. Temos de aguardar as investigações no Chile — conclui Rafael Uzcátegui, do Laboratório da Paz.

Fonte: O Globo/Foto: Cristian Hernandez / AFP.

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