A crise anunciada pelas redes de lojas Americanas e Marisa escancarou um drama já antigo do setor varejista no Brasil, que sofre com o patamar elevado das taxas de juros, a inadimplência dos consumidores e a dependência de se endividar para manter o crescimento sustentável.
Muito dependente do consumo das famílias, o varejo nacional é formado por empresas que patinam na tentativa de obter lucro diante de uma margem baixa de retorno em meio à ampla concorrência do setor, que atualmente ainda sofre com a expansão do comércio online.
“Empresas como Marisa e Americanas têm faturamentos altíssimos, mas que não são revertidos em lucro. […] Com prejuízos constantes, é necessário contrair dúvidas para cobrir o buraco. Se você ganha R$ 10 e gasta R$ 11, em algum momento vai precisar se endividar ou vender seus bens”, afirma o economista Sérgio Ferreira, que atua como consultor financeiro de empresas.
Ao mencionar que o alto endividamento das varejistas, Ferreira reforça que a taxa básica de juros no maior nível desde 2017 puxa o setor ainda mais para baixo. “Você até pode usar uma dívida para financiar crescimento, desde que retorno seja maior do que o custo do financiamento”, analisa ele.
Para Rodrigo Simões, economista e professor da FAC-SP (Faculdade do Comércio de São Paulo), outras dificuldades enfrentadas pelo setor envolvem o aumento da concorrência física e online e a situação econômica nacional.
“Quando a economia do Brasil não vai bem, o setor varejista sofre, principalmente os segmentos de eletrodomésticos e a linha banca. Isso acontece porque os consumidores entram em um dilema entre pagar o básico ou quitar os boletos dessas lojas”, afirma.
Com todos os entraves, o comércio amargou um tombo de 2,6% somente no mês de dezembro e voltou a aperar em um nível abaixo do registrado antes da pandemia do novo coronavírus, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Cristiano Santos, gerente da PMC (Pesquisa Mensal do Comércio), avalia que a inflação elevada dos alimentos também ajuda a explicar o movimento ruim do ramo. “Muitos deixam de consumir outro tipo de produto para continuar comprando os itens essenciais”, afirma.
A situação traumática, que afeta varejistas em todo o mundo, já resultou no fechamento de grandes lojas ainda presentes no imaginário dos brasileiros, com Mappin, Arapuã, Ultralar e Mesbla, que atualmente atua apenas no ambiente digital.
“Essas empresas vendem muito a prazo e, como o Brasil não tem uma inflação equilibrada, isso acaba prejudicando o desempenho do setor. […] Em períodos bons, essas companhias vão muito bem, porque as pessoas trocam fogão, geladeira e compram aparelhos eletrônicos. Mas basta uma desaceleração e aumento do desemprego, esses hábitos são os primeiros cortados”, explica Simões.
Fusões
Diante do cenário enfrentado pelo varejo brasileiro, parcerias e fusões se tornaram inevitável entre as empresas do setor nos últimos anos. As uniões mais recentes resultaram na criação da B2W, formada por Americanas, Submarino e Shoptime, e da Via, responsável pelas marcas Casas Bahia e Ponto.
De acordo com Simões, professor da Faculdade do Comércio de São Paulo, o movimento surge como uma alternativa para a sobrevivência e consolidação de uma varejista. “Com o aumento da concorrência, as empresas têm formado grandes conglomerados para, principalmente, atuar no comércio online”, afirma.
Sérgio Ferreira também observa o cenário como uma forma de investimento encontrada pelas empresas em meio ao ambiente adverso. “Pode ser uma alternativa, mas não sei se é uma receita válida para todas as companhias, porque cada uma tem sua particularidade”, reforça o consultor.
Simões reforma ainda que a inserção no e-commerce traz a aposta de um custo menor para as empresas. “As varejistas brasileiras têm muitas lojas físicas, que arcam com o pagamento de aluguel e vendedores, o que aparece como uma desvantagem entre as lojas que vendem os mesmos produtos online”, ressalta Simões.
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