MANAUS – O MPF (Ministério Público Federal) ajuizou ação civil pública para anular a concessão de quatro blocos exploratórios de petróleo e gás no Amazonas. A área, localizada entre os municípios de São Sebastiao do Uatumã e Urucará, foi arrematada pelas empresas Eneva e Atem em leilão da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) realizado em dezembro de 2023.
De acordo com laudos periciais produzidos pelo MPF, a exploração na área concedida tem o potencial de impactar seis terras indígenas e ao menos 11 unidades de conservação, sem que as comunidades envolvidas tenham sido consultadas sobre os possíveis efeitos em suas terras.
O processo foi enviado para a Justiça Federal do Rio Grande do Norte. O juiz Ricardo Campolina de Sales, da 3ª Vara Federal Cível do Amazonas, considerou que já existe ação com o teor similar protocolada em novembro de 2023 no estado potiguar.
Na ação o MPF pede a suspensão imediata da homologação e a assinatura dos contratos, e que as empresas vencedoras se abstenham de realizar qualquer atividade exploratória ou de estudo na região até que as comunidades indígenas e ribeirinhas potencialmente afetadas sejam efetivamente consultadas sobre os impactos dos empreendimentos.
O MPF considera os impactos preliminares decorrentes da exploração de petróleo e gás, cuja interferência já se faz presente desde a fase de pesquisa de viabilidade econômica das áreas arrematadas.
O órgão sugere que se estime R$ 7,8 milhões como valor da causa, quantia correspondente ao bônus total ofertado pelos blocos.
Descumprimento
De acordo com o MPF, existe, desde 2015, recomendação à ANP para que fossem retirados dos leilões na bacia amazônica blocos cuja exploração tem potencial lesivo ao meio ambiente e às comunidades do entorno.
Os blocos AM-T-63, AM-T-64, AM-T-107, AM-T-133, bem como a Área de Acumulação Marginal do Campo do Japiim, no entanto, foram ofertados normalmente e de maneira reiterada, tendo sido arrematados em dezembro do ano passado no 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão da ANP.
Os blocos arrematados localizam-se em área de influência direta das terras indígenas Coatá-Laranjal, Gavião, Lago do Marinheiro, Ponciano e Sissaíma, incidindo ainda, parcialmente, em terra reivindicada pelo povo indígena Maraguá, cujo processo de qualificação está em andamento na Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
Para o MPF, permitir a exploração de locais próximos a terras indígenas, especialmente quando uma delas está pendente de demarcação, significa criar uma situação de insegurança jurídica para todos os envolvidos, pois, após a conclusão da demarcação, devem surgir novos conflitos pela posse e exploração, bem como custos para a própria União, especialmente se estiverem operando no local as empresas arrematantes.
O MPF alega que a área reivindicada pelos Maraguá deve ser recortada do bloco AM-T-133, dando-se preferência ao direito constitucional e originário indígena frente a pretensão empresarial, aplicando-se o princípio da precaução e suspendendo-se a arrematação do bloco enquanto não demarcada a área.
O direito dos povos indígenas e comunidades tradicionais de serem consultados previamente sobre a implementação de empreendimentos em suas terras está assentado na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
O documento determina que a consulta seja livre, prévia e informada e mediante procedimentos apropriados, a fim de que a participação desses povos nos processos de decisão seja real e efetiva, não se podendo distinguir terras indígenas demarcadas e não demarcadas para fins de sua realização.
Impactos preliminares
O MPF explica que a exploração de recursos como petróleo gera impactos ambientais antes mesmo da construção de eventuais empreendimentos. “Ao arrematar um bloco, o empreendedor não sabe o ponto exato em que o poço de exploração final será perfurado, devendo realizar estudos para a análise de viabilidade”, informou o órgão em trecho da ação.
Assim, dentro de um só bloco, podem ser perfurados muitos poços até que se chegue a uma localização exata para a exploração final, o que já significa uma intensa interferência ambiental.
O MPF argumenta que, considerando-se o princípio da precaução, as consultas aos povos potencialmente impactados deveriam ter sido feitas antes da oferta das terras, e que a ANP em nenhum momento levou em consideração a presença dessas populações para decidir sobre o oferecimento dos blocos.
Para o MPF, explorações deste tipo trazem efeitos sociais e especulativos que alteram toda a dinâmica da região, aumentando as pressões sobre os territórios e, por consequência, facilitando o caminho para grilagens e invasões.
Quanto aos aspectos ambientais, a exploração da área concedida tem o potencial de impactar os modos de vida de milhares de pessoas, quando considerada a totalidade das terras indígenas e comunidades ribeirinhas envolvidas. São áreas extremamente sensíveis a acidentes ambientais, com alta densidade de fauna e flora, distribuídas em ecossistemas intrinsecamente relacionados aos modos de existência das comunidades que nelas habitam, o que enseja, para o MPF, uma análise mais aprofundada e cautelosa sobre a possibilidade de exploração.
Fonte: Amazonas Atual/Foto: Camila Garcez/Idesam