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‘Revolta não me levaria a lugar nenhum’, conta triatleta que tenta refazer a vida após quase morrer em acidente

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Para Luisa Baptista a luta por uma vaga nos Jogos Olímpicos de Paris se tornou uma batalha pela vida. A primeira brasileira a conseguir ouro no triatlo em Jogos Pan-Americanos foi atropelada no dia 23 de dezembro de 2023, enquanto treinava ciclismo na rodovia SCA-329, em São Carlos, interior de São Paulo.

O motociclista Nayn José Sales acertou Luisa de frente. Ele estava sem habilitação, havia acabado de sair de uma festa com bebida alcoólica liberada e, para piorar, deixou o local sem prestar socorro.

Desde então, Luisa trava uma batalha que parecia impossível. Dois meses em coma, oito cirurgias e a utilização de um pulmão artificial (ECMO). Mesmo sedada, ela tinha consciência da condição que estava.

“Todo tempo meus familiares me davam a informação: ‘Luisa, você sofreu um acidente e está internada’. Acho que, mesmo em coma, já absorvi estas informações. É meio bizarro, né? Mas acredito que foi o suficiente para que no momento em que eu acordasse, eu não entrasse em desespero.”

Depois que saiu do coma, Luisa teve de lutar contra a revolta. Mais uma vez a família foi essencial.

“Um dia estava muito revoltada com a situação, e estava me fazendo muito mal, até que meu pai disse: ‘Luisa, não se pergunte o porquê, mas sim para que isso aconteceu com você”, lembra a atleta. “Afinal, estresse e revolta não me levariam a lugar nenhum.”

Dez meses após o acidente, Luisa voltou a nadar e a pedalar. Sonha em completar um triatlo — prova em que os atletas correm, nadam e pedalam. “Espero mesmo voltar um dia, e quem sabe até para o alto rendimento!”

No dia 11 de outubro, ela operou a mão, foi a última cirurgia para terminar mais um ciclo da recuperação.

R7 conversou com Luisa, que falou sobre sua recuperação, a ansiedade para voltar a competir e sua nova fase profissional como integrante do CACOB (Comissão de Atletas do Comitê Olímpico Brasileiro).

Confira os principais trechos da entrevista com a triatleta:

R7 – Você disse que muitas vezes se perguntou por que o acidente tinha acontecido com você. Até que um dia entendeu que a pergunta não era por que e sim para que tudo aconteceu com você. Como você chegou a essa mudança?

Luisa Baptista – Na verdade, quem me falou isso foi meu pai. Um dia estava muito revoltada com a situação, e estava me fazendo muito mal, até que meu pai disse: “Luisa, não se pergunte o porquê, mas sim para que isso aconteceu com você”, e pensar desta forma me deu um certo conforto, acabei me acalmando.

Toda vez que eu pensava no porquê de isso ter acontecido, eu me revoltava, principalmente com o cara [Naym José Sales]. Ele tirou um sonho que eu tinha. A revolta me causava muito mal, ficava muito ansiosa, chegava a vomitar, durante um período que eu estava no hospital, precisando ganhar massa, e isso me atormentava. Com essa frase, eu entendi que para me acalmar eu precisava encontrar um motivo “para que” eu estava passando por tudo isso.

R7 – Dois meses em coma, oito cirurgias, uso de pulmão artificial (ECMO). O que passou pela sua cabeça quando soube do que você tinha vivido no início de seu processo de recuperação?

Luisa Baptista – As UTIs (Unidades de Tratamento Intensivo) que fiquei, tanto no Hospital do Coração quanto no Hospital São Luís, são humanizadas, então meus pais, meu irmão e minha cunhada tinham liberdade de entrar, e sempre estavam comigo.

Além da presença, a todo tempo eles me davam a informação: “Luisa, você sofreu um acidente e está internada”. Acho que, mesmo em coma, absorvi essas informações. É meio bizarro, né? Mas acredito que foi o suficiente para que no momento em que eu acordasse, eu não entrasse em desespero.

Mas como eu disse, senti muita revolta nos primeiros momentos após acordar. Acho que é natural. Busquei ficar o mais tranquila possível e focar no meu trabalho e na minha recuperação. Afinal, estresse e revolta não me levariam a lugar nenhum.

R7 – Após inúmeras manifestações públicas contra a decisão do 1º Distrito Policial de São Carlos (SP), o promotor de Justiça de São Carlos alterou a tipificação de lesão corporal para tentativa de homicídio doloso. Você acredita em mudanças nas leis acerca dos praticantes de esportes como o ciclismo e a corrida?

Luisa Baptista – A gente espera que tenham, sim, alterações. Como meu caso teve uma repercussão gigantesca, temos a esperança que sirva de exemplo para que outros casos não aconteçam. Até por isso que gravei o vídeo em relação à primeira decisão do MP, e só recebi comentários positivos, incentivando e marcando o Ministério Público para que eles tivessem um olhar atento ao caso.

Queremos que não existam mais casos destes, queremos que o cara seja preso, punido, para que outras pessoas repensem antes de sair para dirigir totalmente fora da lei.

R7 – Você utilizou muito a palavra ‘revolta’ desde o início da entrevista. Com a alteração na tipificação da condenação, você conseguiria trocar esta palavra e sentimento por outro termo?

Luisa Baptista – Sim, esperança. Sem dúvidas. Esperança de que o Brasil vai ser melhor, as leis vão ser mais rígidas, e as pessoas terão mais cuidado com os ciclistas.

R7 – Após o acidente, você treinou ciclismo a primeira vez em julho, a primeira vez natação em setembro, e quando será a primeira corrida? E o primeiro triatlo?

Luisa Baptista – A primeira corrida deve acontecer em novembro. Já o triatlo ainda não tenho previsão, mas espero que logo.

Meu fisioterapeuta Gustavo Meliscki diz que caso eu queira voltar ao alto rendimento, o que é totalmente possível, serão no mínimo dois anos de dedicação 100% na fisioterapia e fortalecimento. Espero mesmo voltar um dia, e quem sabe até para o alto rendimento.

R7 – Tirando as conquistas mais relevantes de sua carreira, tem alguma prova que você guarda com um sentimento especial?

Luisa Baptista – Tenho várias, é difícil escolher uma só, por isso vou ter que falar duas! A primeira foi nos Jogos Sul Americanos, em Cochabamba, na Bolívia, em 2018. Fui prata, ficando no pódio entre a chilena Bárbara Riveros, primeira colocada, e a terceira colocada, a equatoriana Elizabeth Bravo. No final da prova, meu ex-treinador Eduardo Braz me falou “Você viu este pódio? Tanto a Bárbara quanto a Elizabeth são atletas olímpicas, e você está entre elas!” Esta declaração me fez virar uma chave muito grande sobre meu potencial.

A segunda foi no final de 2018, em uma Copa do Mundo em Salinas, no Equador, também fui prata, ficando entre a primeira colocada, a russa Yulia Yelistratova e superando a terceira colocada, a mesma Bárbara Riveros. Foi a primeira vez em que eu superei a Bárbara, atleta que já havia sido campeã dos Jogos Pan-Americanos, e ali foi onde acendeu a primeira faísca de esperança para ganhar o Pan em 2019. Dito e feito!

R7 – Além da recuperação, o que você tem feito no seu dia a dia?

Luisa Baptista – Estou aproveitando para me especializar. Fiz um curso de gestão esportiva, me inscrevi para a Comissão de Atletas do COB [Comitê Olímpico Brasileiro], realizei também um curso on-line de treinadores da CBTRI [Confederação Brasileira de Triatlo], e estou me organizando para realizar outro presencial, em Brasília, agora em novembro.

R7 – Por que você decidiu integrar a Comissão de Atletas do COB?

Luisa Baptista – Fiquei extremamente feliz por ter sido eleita. O triatlo tinha apenas sete atletas aptos a votar, quantidade que não seria suficiente para me eleger. Então eu tive um apoio muito grande de atletas de outras modalidades, que foi essencial para eu conseguir a eleição com 22 votos. É um momento de aprendizado.

R7 – O que você pretende fomentar para o ciclo olímpico até Los Angeles 2028?

Luisa Baptista – Vou propor algo que senti na pele quando estive no hospital. Toda a confederação tem de oferecer plano de saúde ao atleta, mas nenhuma oferece um plano de seguro de vida. Acho essencial. No meu caso, daria uma tranquilidade maior, principalmente para minha família.

R7 – Você está produzindo um documentário sobre a sua vida, com as primeiras imagens captadas em Paris, durante as Olimpíadas. O que isso representa para você?

Luisa Baptista – Eu achei super bacana, porque dá para explicar um pouco mais a minha história, que pode inspirar muita gente também. Com uma história que realmente é incrível. A ideia, que surgiu do meu irmão, era iniciar as gravações durante o tratamento, mas não foi possível.

R7 – Antes começar as filmagens, você já havia se imaginado como protagonista de um filme?

Luisa Baptista – Não! Nunca! (Risos) Se eu soubesse do trabalho que dá, não teria topado! (risos) Costumo falar que sai mais cansada de Paris, do que em Tóquio em 2021, quando competi. Lembro que em Tóquio, quando a competição acabou, eu estava completamente acabada.

R7 – Nas redes sociais, você disse que hoje se considera uma ex-mão de vaca. Foi melhor aproveitar Paris na nova fase?

Luisa Baptista – Foi bem diferente, bem melhor! Realmente foi uma viagem que consegui aproveitar ao máximo, algo que não aconteceria se tivesse ido como atleta, ou com a minha antiga mentalidade.

Tem algo que antes do acidente você se segurava para fazer e atualmente faz sempre que pode?

Luisa Baptista – Vou te dar um exemplo do que vai acontecer no final do ano. No Réveillon, vou viajar com a minha grande amiga e também triatleta Vittória Lopes para aprontar um pouquinho (risos), vamos para Las Vegas!

 

 

 

 

*R7/Foto: Reprodução: Instagram

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