No PA, velório com cachaça e cortejo com vira-lata viraliza nas redes sociais; ‘minha vó era alegre e mereceu’, diz neta

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O cortejo de um velório realizado no interior do Pará viralizou nas redes sociais na última semana, após a família da idosa Marilda Favacho realizar uma despedida nada convencional com muita cachaça, oferta de comidas típicas e a presença de um cachorro no trajeto até o cemitério, na cidade de São João do Abade, interior de Curuçá, nordeste do estado.

No vídeo é possível acompanhar familiares e amigos da idosa bebendo e celebrando durante as últimas homenagens fúnebres. O ato, conhecido na região como “frete”, é bastante comum. Moradores percorrem cerca de 5 km até o cemitério, que fica em outra cidade.

Uma curiosidade da região é que a cidade não possui cemitério, por isso se faz necessário caminhar até outro local para o sepultamento das pessoas que residem ali. Já sobre o luto, os cidadãos costumam dar outro significado para o sentimento, se despedindo de uma forma única e icônica.

A neta da idosa falecida, Beatriz Costa, conta que ao receber a notícia da morte da avó, ficou muito abalada, mas assim que chegou na cidade para o velório, seu humor mudou. No local, encontrou primos, tios e começaram os preparativos para o último grande evento social de Dona Marilda.

Na madrugada, foram ofertados mingau, caldo de peixe e sopa para os familiares e vizinhos que vinham se despedir. Na sala, as crianças e adultos jogavam dominó e baralho ao lado do caixão. Outros familiares relembravam, no pátio da casa, como a idosa era alegre e de bom coração.

“Teve muito café, bolacha, quatro paneladas de mingau, ‘avoado’ de peixe e sopão. Foi muita gente se despedir dela e todos falavam o quanto ela era divertida e alegre”, revelou a neta.

Dona Marilda tinha 66 anos, sofria de diabetes e já havia perdido as duas pernas por causa dessa condição. Em seus últimos momentos, foi acometida com uma pneumonia, ficou internada da UTI e a partir daí sua saúde só se agravou. Ela morreu no final de abril, após um infarto.

Durante o velório, ninguém consome bebidas alcoólicas, apenas durante o percurso até o cemitério. A caminhada é longa e precisam se revezar para carregar o caixão. No primeiro momento, são quatro homens que levam o caixão; chegando próximo ao cemitério, são as mulheres que se dividem para o trajeto final.

Esse é um modelo já tradicional adotado pelos moradores da cidade de Abade. A neta de Dona Marilda conta que já participou de vários, incluindo de pessoas que ela nem conhecia. O intuito é beber vinho e cachaça entre os 5km para que o caixão se torne mais leve, segundo Beatriz.

“Já recebi vários comentários de pessoas que não acreditam que seja assim ou que ficam chocadas com essa tradição. É claro que não deixamos de chorar e ficar de luto, mas tentamos deixar esse momento o mais leve possível”, contou a neta.

Ao sair da residência, o caixão foi aplaudido pelas pessoas presentes. No percurso, familiares animavam a galera com gritos, gargalhadas e oferta de bebidas. A neta conta que todos fazem coletas para os destilados e cervejas, afim de que todo mundo possa beber e fazer a festa durante o trajeto.

Tradição do “Frete”

A tradição do “frete”, nome dado a esse modelo diferenciado de evento póstumo, foi iniciada há séculos atrás. Segundo a tradição, só é feito esse tipo de ação quando a pessoa que faleceu é considerada alguém bom, alegre e solidário, caso contrário, ninguém carrega o corpo, sendo levado de carro.

O “frete” não gira somente em torno das bebidas, mas também das comidas e como o corpo será carregado até o cemitério. O cortejo é alegre, mas chegando à proximidade do sepultamento, são as mulheres que carregam o caixão e nenhuma bebida entra no cemitério, ambiente que considerado sagrado.

Segundo a professora Valéria Sales, pesquisadora do tema, a cidade de São João de Abade não possui cemitério pois os próprios moradores se opõem à construção, já havendo a tentativa, por parte de um vereador local, mas recusada pelas pessoas que afirmam que a região é um lugar para se viver e não morrer.

Em uma das participações da professora a esses eventos, ela conta que presenciou uma festa de carimbó, pessoas dançando e se embebedando, afim de realizar o último pedido da pessoa falecida que não queria tristeza, somente festa.

“Durante a minha pesquisa, vi muitas pessoas falando que o ‘frete’ era algo desrespeitoso, mas analisando e participando dos trajetos percebi que é algo importante nesse momento final para esses familiares”, detalhou Valéria Sales.

Foto:Acervo Pessoal

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