Os trabalhadores encontrados em condições semelhantes à escravidão em Bento Gonçalves, na Serra do RS, começaram a voltar para casa, na noite de sexta-feira (24). Dos 207 resgatados, 194 voltaram para a Bahia, estado de origem deles. Outros quatro baianos preferiram permanecer no RS. Nove são gaúchos e já voltaram pros municípios de origem: Montenegro, Carazinho, Rio Grande, Marau e Portão. As idades dos 207 resgatados variam entre 18 e 57 anos.
Os quatro ônibus que levaram os baianos para casa foram escoltados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) até a saída do RS. Antes de embarcar, um dos trabalhadores falou com a reportagem da RBS TV.
“Está sendo maravilhoso [voltar para casa] porque a gente está vivendo num mundo de escravidão aqui, naquela empresa. E a gente, todos nós, vamos reencontrar a nossa família, né, todos nós estamos alegres para ver a nossa família, passamos praticamente num lugar que era uma prisão. Bem animados por chegar na nossa terra”, disse.
Acordo
Um acordo entre a empresa e os trabalhadores foi fechado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) ainda na noite de sexta. Cada um deles recebeu, por enquanto, R$ 500 para fazer a viagem. O valor total de indenização deve ser pago até a próxima terça-feira (28), por depósito bancário.
Segundo o MPT, está estabelecido no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que o empresário responsável deverá apresentar a comprovação dos pagamentos sob pena de ajuizamento de ação civil pública por danos morais coletivos, além de multa correspondente a 30% do valor devido. Até o momento, estima-se que o cálculo total das verbas rescisórias ultrapasse R$ 1 milhão. O custo do transporte dos trabalhadores de volta à Bahia também ficou sob responsabilidade da empresa.
Os valores desembolsados pela empresa contratante, segundo o TAC, também não quitam os contratos de trabalho, nem importam em renúncia de direitos individuais trabalhistas, que poderão ser reclamados pelos trabalhadores.
“Os próximos passos são acompanhar o integral pagamento dos valores devidos aos trabalhadores, estabelecer obrigações para prevenir novas ocorrências com relação a esse grupo de empresas intermediadoras. Com relação às empresas tomadoras é preciso garantir reparação coletiva e medidas de prevenção, já foram instaurados procedimentos investigativos contra as três vinícolas já identificadas”, afirmou a procuradora Ana Lucia Stumpf González.
O responsável por essa empresa, Pedro Augusto de Oliveira Santana, de 45 anos, natural de Valente (BA), chegou a ser preso, mas vai responder pelo crime em liberdade porque pagou fiança no valor de R$ 40 mil.
Em nota, o advogado Rafael Dorneles da Silva informou que “a empregadora Fênix Serviços de Apoio Administrativo e seus administradores esclarecem que os graves fatos relatados pela fiscalização do trabalho serão esclarecidos em tempo oportuno, no decorrer do processo judicial.” Veja íntegra abaixo.
Investigação
O Ministério Público do Trabalho, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/RS), a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Federal e a Secretaria de Assistência Social do município de Bento Gonçalves concederam entrevista coletiva na cidade da Serra, na manhã deste sábado (25).
Os órgãos destacaram que as investigações sobre o caso seguem. Nos próximos dias devem ser ouvidos responsáveis pelas propriedades rurais que recebiam os trabalhadores para colheita da uva. As vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, que contrataram a empresa terceirizada, também devem prestar novos esclarecimentos.
Notas das vinícolas
Aurora
Em respeito aos seus associados, colaboradores, clientes, imprensa e parceiros, a Vinícola Aurora vem à público para reforçar que não compactua com qualquer espécie de atividade considerada, legalmente, como análoga à escravidão e se solidariza com os trabalhadores contratados pela terceirizada Oliveira & Santana.
As vítimas são funcionários da Oliveira & Santana, empresa que prestava serviços às vinícolas, produtores rurais e frigoríficos da região.
A Aurora já se colocou à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos e está prestando apoio às vítimas. A companhia também está trabalhando em conjunto com o Ministério Público Federal e com o Ministério do Trabalho para equalizar a situação em busca de reparo aos trabalhadores da Oliveira & Santana.
A vinícola está tomando as medidas cabíveis e reitera seu compromisso com todos os direitos humanos e trabalhistas, assim como sempre fez em seus 92 anos. Ratifica ainda que permanece cumprindo com suas obrigações legais e com a sua responsabilidade também perante ao valor rescisório a cada trabalhador contratado pela Oliveira & Santana.
A Aurora conta com 540 funcionários, todos devidamente registrados e obedecendo a legislação trabalhista. Porém, na safra da uva, dentro de um período de cerca de 60 dias, entre janeiro e março, a empresa depende de um grande número de trabalhadores, se fazendo necessária a contração temporária para o setor de carga e descarga da fruta, devido à escassez de mão de obra na região.
Quanto à empresa terceirizada, cabe esclarecer que a Aurora pagava à Oliveira & Santana um valor acima de R$ 6,5 mil/mês por trabalhador, acrescidos de eventuais horas extras prestadas. A terceirizada era a responsável pelo pagamento e pelos devidos descontos tributários instituídos em lei. A Aurora também exigia os contratos de trabalhos da equipe que era alocada na empresa.
Todo e qualquer prestador de serviço da Aurora, da mesma forma que os funcionários, recebe alimentação de qualidade durante o turno de trabalho, como café da manhã, almoço e janta, sem distinções.
A vinícola também oferecia condições dignas de trabalho no horário de expediente e os gestores responsáveis desconheciam a moradia desumana em que os safristas eram acomodados pela Oliveira & Santana após o período de trabalho.
Por fim, ratificando seu compromisso social, a Aurora se compromete em reforçar sua política de contratações e revisar os procedimentos quanto à terceiros para que casos isolados como este nunca mais voltem a acontecer.
Salton
A Família Salton repudia veementemente e não compactua com nenhum tipo de trabalho sob condições precárias, análogas à escravidão. A empresa e todos os seus representantes estão solidários a todos os trabalhadores e suas famílias, que foram tratados de forma desumana e cruel por um prestador de serviço contratado.
Reforçamos que todas as informações foram verificadas antes da contratação do fornecedor. Entretanto, trata-se de incidente isolado e a Família Salton já está tomando medidas cabíveis frente ao tema, além de ser colocar à disposição dos órgãos competentes para colaborar com o processo.
A empresa salienta que já está trabalhando para intensificar os controles de contratação, prevendo medidas mais austeras em todo e qualquer contrato de serviços terceirizados. Prevê ainda a associação e parcerias com órgãos e entidades do setor para melhorar a fiscalização de práticas trabalhistas.
Com um legado de 112 anos, a Família Salton é referência em sustentabilidade e signatária do Pacto Global da ONU e realiza projetos que refletem diretamente a responsabilidade social da empresa e seu compromisso como empresa cidadã.
Garibaldi
Diante das recentes denúncias que foram reveladas com relação às práticas da empresa Oliveira & Santana no tratamento destinado aos trabalhadores a ela vinculados, a Cooperativa Vinícola Garibaldi esclarece que desconhecia a situação relatada. Informa, ainda, que mantinha contrato com empresa diversa desta citada pela mídia.
Com relação à empresa denunciada, o contrato era de prestação de serviço de descarregamento dos caminhões e seguia todas as exigências contidas na legislação vigente. O mesmo foi encerrado.
A Cooperativa aguarda a apuração dos fatos, com os devidos esclarecimentos, para que sejam tomadas as providências cabíveis, deles decorrentes.
Somente após a elucidação desse detalhamento poderá manifestar-se a respeito.
Desde já, no entanto, reitera seu compromisso com o respeito aos direitos – tanto humanos quanto trabalhistas – e repudia qualquer conduta que possa ferir esses preceitos.
Nota do empresário
Diante dos fatos noticiados em relação a operação de combate ao trabalho análogo à escravidão ocorrida na última quinta-feira, em Bento Gonçalves, a empregadora Fênix Serviços de Apoio Administrativo e seus administradores esclarecem que os graves fatos relatados pela fiscalização do trabalho serão esclarecidos em tempo oportuno, no decorrer do processo judicial.
Cabe mencionar que o empresário envolvido nas acusações é um empreendedor de atuação reconhecida e respeitada, não compactuando com qualquer desrespeito aos colaboradores e aos direitos a eles inerentes.
Além disso, é importante ressaltar que qualquer conclusão neste momento é meramente especulativa e temerária, uma vez que os fatos e as responsabilidades devem ser esclarecidas em juízo.
Manifestamos total respeito às instituições e nos colocamos à disposição da justiça para todos os esclarecimentos necessários, colaborando no que for necessário para o restabelecimento da verdade e principalmente do bem estar de todos os envolvidos.
Por fim, informamos que os trabalhadores estão recebendo todo o auxílio necessário para que esta situação não traga maiores prejuízos aos mesmos.
*g1